O sujeito lírico, vagueando em plena noite, deparou com um cão morto, em
sua despida naturalidade, desamparado e à margem de qualquer sentido de pertencimento
a um dono ou a um lugar, sequer senhor de sua própria morte, porque presenciada
por muitos, notoriamente pública, portanto.
Imagina o poeta que a morte deva ter a “intimidade dos amantes”, uma vez que é a “única propriedade que herdamos os pobres da terra”: o emprego da
silepse de pessoa nos derradeiros versos do poema revela o espírito de continência
a açambarcar os atingidos pela pobreza – o próprio poeta e todos os
despossuídos.
J.A.R. – H.C.
Juan Carlos Legido
(1923-2011)
El Perro Muerto
Venía
en un grisáceo
amanecer de invierno
entre la indiferencia
de las casas dormidas
y allí
en la calle desierta
descubriendo en el
alba su desamparo hiriente
yacía un perro
muerto.
Estaba solo y triste.
No era dueño siquiera
de su muerte más íntima,
inmensamente tierno
en su quietud sin eco,
más desnudo que nunca
en esa pública muerte
desolada,
en esa desposesión
tremenda y cruda
de morirse sin nadie
en un lugar de nadie
sin siquiera la
buena, negra tierra
que es blanda por
debajo
pero no, ni esa
tierra siquiera
donde dejar sangrar
todos los sueños.
Porque ahora lo sé.
Aún en la misma
muerte
hay una pavorosa
desnudez
cuando se muere así a
la vista de todos.
Ahora sé que la
muerte
debe tener
la intimidad de los
amantes.
Entonces
sentí dolor al ver tu
desnudez
como si hubiera sido
la propia desnudez
pública y mía.
Sentí dolor por ti
que ni siquiera
fuiste dueño de tu muerte,
esa muerte
de la que somos
los exclusivos dueños
y a veces la única
propiedad que heredamos
los pobres de la
tierra.
Cão morto em autopista de L.A.
(Roberto Chavez: pintor
norte-americano)
O Cão Morto
Vagueava
sob uma acinzentado
amanhecer de inverno,
entre a indiferença
das casas adormecidas
e, ali,
na rua deserta,
descobrindo na
alvorada seu cortante desamparo,
jazia um cão morto.
Estava sozinho e
triste.
Não era dono sequer
de sua morte mais íntima,
imensamente terno em
sua quietude sem eco,
mais nu do que nunca
nessa pública morte
desolada,
nessa tremenda e crua
despossessão
de morrer sem ninguém,
em um lugar de
ninguém,
sem sequer a boa,
negra e macia
terra por baixo,
mas não, nem sequer
essa terra,
onde deixar sangrar
todos os sonhos.
Porque agora vim a
saber.
Na morte mesma há,
ainda, uma pavorosa
nudez,
quando se morre assim,
à vista de todos.
Agora sei que a morte
deve ter
a intimidade dos
amantes.
Então
senti dor ao ver tua
nudez,
como se fora
a minha própria nudez
pública.
Senti dor por ti,
que sequer foste dono
de tua morte,
essa morte
da qual somos
os exclusivos donos
e, às vezes, a única
propriedade que herdamos
os pobres da terra.
Referência:
LEGIDO, Juan Carlos. El perro muerto.
In: BORDOLI, Domingo Luis. Antología de
la poesía uruguaya contemporânea. Tomo II. Montevideo, UY: Universidad de
la República - Departamento de Publicaciones, 1966. p. 306. (‘Letras
Nacionales’; v. 9)
❁
Esmagador.
ResponderExcluirPrezado Ricardo,
ExcluirDecerto: um cão como se fosse um dos muitos humanos abandonados e que acabam por perecer nas ruas das grandes capitais brasileiras.
Um abraço,
João A. Rodrigues