Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Juan Carlos Legido - O Cão Morto

O sujeito lírico, vagueando em plena noite, deparou com um cão morto, em sua despida naturalidade, desamparado e à margem de qualquer sentido de pertencimento a um dono ou a um lugar, sequer senhor de sua própria morte, porque presenciada por muitos, notoriamente pública, portanto.

Imagina o poeta que a morte deva ter a “intimidade dos amantes”, uma vez que é a “única propriedade que herdamos os pobres da terra”: o emprego da silepse de pessoa nos derradeiros versos do poema revela o espírito de continência a açambarcar os atingidos pela pobreza – o próprio poeta e todos os despossuídos.

J.A.R. – H.C.

Juan Carlos Legido
(1923-2011)

El Perro Muerto

Venía
en un grisáceo amanecer de invierno
entre la indiferencia de las casas dormidas
y allí
en la calle desierta
descubriendo en el alba su desamparo hiriente
yacía un perro muerto.

Estaba solo y triste.
No era dueño siquiera de su muerte más íntima,
inmensamente tierno en su quietud sin eco,
más desnudo que nunca
en esa pública muerte desolada,
en esa desposesión tremenda y cruda
de morirse sin nadie
en un lugar de nadie
sin siquiera la buena, negra tierra
que es blanda por debajo
pero no, ni esa tierra siquiera
donde dejar sangrar todos los sueños.

Porque ahora lo sé.
Aún en la misma muerte
hay una pavorosa desnudez
cuando se muere así a la vista de todos.
Ahora sé que la muerte
debe tener
la intimidad de los amantes.

Entonces
sentí dolor al ver tu desnudez
como si hubiera sido
la propia desnudez pública y mía.
Sentí dolor por ti
que ni siquiera fuiste dueño de tu muerte,
esa muerte
de la que somos
los exclusivos dueños
y a veces la única propiedad que heredamos
los pobres de la tierra.

Cão morto em autopista de L.A.
(Roberto Chavez: pintor norte-americano)

O Cão Morto

Vagueava
sob uma acinzentado amanhecer de inverno,
entre a indiferença das casas adormecidas
e, ali,
na rua deserta,
descobrindo na alvorada seu cortante desamparo,
jazia um cão morto.

Estava sozinho e triste.
Não era dono sequer de sua morte mais íntima,
imensamente terno em sua quietude sem eco,
mais nu do que nunca
nessa pública morte desolada,
nessa tremenda e crua despossessão
de morrer sem ninguém,
em um lugar de ninguém,
sem sequer a boa, negra e macia
terra por baixo,
mas não, nem sequer essa terra,
onde deixar sangrar todos os sonhos.

Porque agora vim a saber.
Na morte mesma há,
ainda, uma pavorosa nudez,
quando se morre assim, à vista de todos.
Agora sei que a morte
deve ter
a intimidade dos amantes.

Então
senti dor ao ver tua nudez,
como se fora
a minha própria nudez pública.
Senti dor por ti,
que sequer foste dono de tua morte,
essa morte
da qual somos
os exclusivos donos
e, às vezes, a única propriedade que herdamos
os pobres da terra.

Referência:

LEGIDO, Juan Carlos. El perro muerto. In: BORDOLI, Domingo Luis. Antología de la poesía uruguaya contemporânea. Tomo II. Montevideo, UY: Universidad de la República - Departamento de Publicaciones, 1966. p. 306. (‘Letras Nacionales’; v. 9)

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Prezado Ricardo,
      Decerto: um cão como se fosse um dos muitos humanos abandonados e que acabam por perecer nas ruas das grandes capitais brasileiras.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

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