Posto abaixo, excerto de uma entrevista
que teria sido concedida, sob condição de anonimato, por CEO de um grande banco
em São Paulo (SP) a Jessé Souza, renomado sociólogo, ex-presidente do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), autor também de “A elite do atraso: da
escravidão à Lava Jato” (Leya; 2017).
A entrevista completa aparece na obra recém-lançada
“A classe média no espelho” (Estação Brasil, 2018), inserindo-se num contexto
de caracterização de nova proposta, sugerida pelo autor, para as classes
sócio-econômicas no país, uma vez que, segundo lhe parece, as classes comumente
empregadas pelo IBGE em suas estatísticas, nomeadamente “A”, “B”, “C”, “D” e “E”,
conforme a faixa de renda familiar, pouco dizem sobre o os elementos que as
tipificam, diferenciando-as das demais.
Com efeito, Jessé levou à frente um rol
de mais de 300 (trezentas) entrevistas para o seu trabalho, selecionando
algumas delas para compor a obra, eis que verdadeiros tipos ideais, segundo o
conceito weberiano, de cada uma das classes preconizadas, uma das quais a de
que se trata neste momento.
Como o livro encontra-se no mercado
editorial pátrio, à disposição de qualquer pessoa que se habilite em adquiri-lo,
imagino que as instituições detentoras da competência para investigar o que
ocorre ficam na obrigação de agir (Comissão de Ética Pública e
Controladoria-Geral da União), assim como o próprio Banco Central, a quem não se
dispensa de ter que se explicar para convencer o público em geral, de que os
fatos não são assim como despontam na entrevista.
Para quem se dispuser a assistir, apresento abaixo o vídeo da entrevista concedida por Jessé Souza ao repórter
Paulo Henrique Amorim, debatendo sobre as grandes linhas de argumentação tratadas
na precitada obra.
Jessé Souza e P.H.A.
(23.10.2018)
J.A.R. – H.C.
Ω
SÉRGIO: O CEO DE UM BANCO EXPLICA
COMO SE COMPRA O MUNDO
E o que eles querem? [os maiores clientes
dos bancos, que têm os seus recursos por eles geridos]
(...)
Todo mundo tem um
preço. Até hoje não conheci quem não tivesse. E para todo negócio é necessário uma
informação privilegiada aqui, um amigo
no Banco Central ali, uma sentença comprada ali ou a influência de um
ministro em Brasília acolá.
Além da compra direta, em dinheiro vivo
ou depósito no exterior, a gente tem que paparicar constantemente os caras. Uma
forma eficaz são os presentes constantes, sem a expectativa imediata de
contrafavores. Isso gera simpatia. Às vezes você ganha até um “amigo”.
(...)
E o pagamento direto por serviços
específicos?
Hoje em dia existem meios ainda mais
eficazes de eliminar os riscos, mas este é nosso pulo do gato, e não posso lhe
contar. Mas não fica rastro, posso assegurar. Esta, afinal, é a nossa
mercadoria: a segurança no investimento. E, sendo um banco, tudo fica mais fácil.
Não é só no caso do nosso banco: todos os bancos, inclusive os maiores, fazem a
mesma coisa.
A mina de ouro de
qualquer banco comercial ou de investimento é o Banco Central. Ali só entra
gente nossa. E o país é gerido a partir do Banco Central, que decide tudo de
importante na economia.
É lá que a zona cinzenta entre
legalidade e ilegalidade define a vida de todos. Isso não aparece em nenhum
jornal.
Podemos fazer
qualquer tipo de especulação com o câmbio, como nos swaps cambiais, por
exemplo. Se der errado, o Banco Central cobre o prejuízo. Não existe negócio
melhor. Se der errado, o famoso Erário paga a conta. Quem controla toda a
economia somos nós e a nosso favor, o Congresso nem apita sobre isso. Quando,
muito eventualmente, decide sobre algo, apenas assina o que nós mandamos, essa
é verdade que ninguém conhece porque não sai em nenhuma TV.
Claro que tudo é justificado como
mecanismo de combate à inflação, e não para enriquecer os ricos. Para quem vê
isso tudo funcionar a partir de dentro, como no meu caso, é até engraçado.
Essa é a estrutura legalizada pela
opacidade do Banco Central e da dívida pública. Mas e os negócios ilegais
mesmo?
Não existe negócio que não seja
intermediado por um banco, seja legal ou ilegal. Essa história de operador e
doleiro é coisa da Lava Jato e da imprensa para desviar a atenção da
participação dos agentes financeiros.
Os bancos são completamente blindados
porque inventaram um meio infalível de distribuir dinheiro para quem já tem
muito poder e dinheiro. Falam de todo mundo menos de nós, que comandamos tudo.
Para mim, aí é que está o poder real, o
poder do dinheiro. Na verdade, são os bancos os operadores e os doleiros, e
todo o dinheiro sai de bancos, seja dinheiro limpo – na realidade, sempre
dinheiro que foi tornado limpo –, seja dinheiro sujo. A não ser que você fabrique
dinheiro em casa.
Aliás, parte do lucro dos bancos vem de
lavar dinheiro e intermediar transações. Mas
o grosso da grana vem do Banco Central, das remunerações de sobras de caixa –
que são ilegais, mas sobre as quais ninguém diz nada –, das operações de swap
cambial, dos títulos da dívida – enfim, o Banco Central é nossa mãe. É tudo escancarado,
mesmo com inflação zero e o país na ruína.
Nosso lucro é legal, ou seja,
legalizado, já que somos intocáveis e ninguém se mete conosco. Boa parte dos juízes
e ministros de tribunais superiores, como todo mundo no meio sabe, advogam por interposta
pessoa, e nós somos os principais clientes de alguns e de quem paga melhor. São
os bancos que pagam as eleições do Congresso quase inteiro. Aí você pode legalizar
qualquer coisa, qualquer papel sujo que a gente mande ao Congresso os caras
assinam. Nesse contexto, onde se pode tudo, as operações abertamente ilegais
são uma parte menor dos lucros, mas obviamente existem.
Se ninguém imprime notas de dinheiro no
quintal, é óbvio que todo o dinheiro, inclusive todo dinheiro sujo, vem dos
bancos, que retiram parte do seu lucro real intermediando essas relações e
lavando esse dinheiro. Os bancos controlam o que você vai fazer com o dinheiro
e todo dinheiro pode ser rastreado.
Toda transferência bancária tem um chip
e, se você quiser saber de onde o dinheiro vem, dá para saber. Inclusive nas
transações internacionais. Se a transferência é em dólar, tudo passa por Nova York
e recebe um número. Mas ninguém quer saber, essa é a verdade.
Como os bancos mandam na imprensa, nos
juízes e nos políticos, a intermediação de todo dinheiro ilegal jamais é
denunciada. E se for denunciar, você é que acaba preso. Isso eu garanto.
Referência:
SOUZA, Jessé. Sérgio: o CEO de um banco
explica como se compra o mundo. In: A
classe média no espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua
realidade. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil, 2018. p. 169-180.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário