Não exatamente um poema, mas um diálogo sobre como não se pode avançar a
um ponto que desconhecemos, sem que tenhamos que abrir mão de algo, no caso
aventado, “uma tonelada de repolhos” sobre as costas, em vã tentativa de
atravessar um mar desconhecido.
Maturana e Varela, os autores da metáfora, são dois cientistas chilenos
da área de Biologia, famosos por haverem cunhado o termo “autopoiesis”, para indicar
o potencial que têm os seres vivos de se produzirem a si próprios. O mais
interessante é que o sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998) trasladou o
termo (ou a ideia) para o domínio dos sistemas sociais, com o que deu origem à
denominada “Teoria Autopoiética do Direito”, ou seja, o Direito como sistema
autorreferente, que se cria a si próprio.
Nem precisa dizer que o Direito em países de terceiro mundo, como o
Brasil, sofre a invasiva influência da Economia e, sobretudo, da Política – com
o que se deduz que tal teoria não se lhe aplica! Aliás, diria que o Direito
brasileiro não existe: ele virou outra expressão da Política, com os togados
fazendo opções políticas por partidos “A” ou “B”, atirando no lixo quaisquer
referências assentes em ganhos do processo civilizatório humano, como a
presunção da inocência ou liberdade de expressão. “Eles” são os próprios Deuses
do Olimpo! Podem tudo: até se autoconcederem “Auxílio-Moradia”, coitados, pois
moram muito mal, decerto! Há um povo “cordeiro” que banca toda essa festa!...
J.A.R. – H.C.
Humberto Maturana
(n. 1928)
Francisco J. Varela
(1946-2001)
De repolhos e necessidades
Conta-se que havia
uma ilha, que ficava em Algum Lugar, em que os habitantes desejavam intensamente
ir para outra parte e fundar um mundo mais sadio e digno. O problema era que a
arte e a ciência de nadar e navegar ainda não tinham sido desenvolvidas – ou
talvez tivessem sido há muito esquecidas. Por isso, havia habitantes que
simplesmente se negavam a pensar nas alternativas à vida na ilha, enquanto que
outros tentavam encontrar soluções para os seus problemas, sem preocupar-se em
recuperar o conhecimento de como cruzar as águas. De vez em quando, alguns
ilhéus reinventavam a arte de nadar e navegar. Também de vez em quando chegava
a eles algum estudante, e então acontecia um diálogo assim:
“Quero aprender a
nadar.”
“O que quer fazer
para conseguir isso?”
“Nada. Só quero levar
comigo uma tonelada de repolho.”
“Que repolho?”
“A comida de que vou precisar no outro lado, ou seja lá onde for.”
“Mas há outras coisas
para comer no outro lado.”
“Não sei o que quer dizer. Não tenho certeza. Tenho de levar meu
repolho.”
“Mas assim não vai poder nadar. Uma tonelada de repolho é uma carga
muito pesada.”
“Então não posso aprender. Para você, meu repolho é uma carga. Para mim,
é um alimento essencial.”
“Suponhamos que – como numa alegoria – os repolhos representem ideias
adquiridas, pressupostos ou certezas.”
“Hum... Vou levar meus repolhos para onde haja alguém que entenda as
minhas necessidades.”
O peso da vida
(Aimelle ML:
artista canadense)
Referência:
MATURANA, Humberto R.; VARELA,
Francisco J. De repolhos e necessidades. Tradução de Humberto Mariotti e Lia
Diskin. In: __________. A árvore do
conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução de
Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo, SP: Palas Athena, 2001. p. 271-272.
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