Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Maturana & Varela - De repolhos e necessidades

Não exatamente um poema, mas um diálogo sobre como não se pode avançar a um ponto que desconhecemos, sem que tenhamos que abrir mão de algo, no caso aventado, “uma tonelada de repolhos” sobre as costas, em vã tentativa de atravessar um mar desconhecido.

Maturana e Varela, os autores da metáfora, são dois cientistas chilenos da área de Biologia, famosos por haverem cunhado o termo “autopoiesis”, para indicar o potencial que têm os seres vivos de se produzirem a si próprios. O mais interessante é que o sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998) trasladou o termo (ou a ideia) para o domínio dos sistemas sociais, com o que deu origem à denominada “Teoria Autopoiética do Direito”, ou seja, o Direito como sistema autorreferente, que se cria a si próprio.

Nem precisa dizer que o Direito em países de terceiro mundo, como o Brasil, sofre a invasiva influência da Economia e, sobretudo, da Política – com o que se deduz que tal teoria não se lhe aplica! Aliás, diria que o Direito brasileiro não existe: ele virou outra expressão da Política, com os togados fazendo opções políticas por partidos “A” ou “B”, atirando no lixo quaisquer referências assentes em ganhos do processo civilizatório humano, como a presunção da inocência ou liberdade de expressão. “Eles” são os próprios Deuses do Olimpo! Podem tudo: até se autoconcederem “Auxílio-Moradia”, coitados, pois moram muito mal, decerto! Há um povo “cordeiro” que banca toda essa festa!...

J.A.R. – H.C.

Humberto Maturana
(n. 1928)
Francisco J. Varela
(1946-2001)

De repolhos e necessidades

Conta-se que havia uma ilha, que ficava em Algum Lugar, em que os habitantes desejavam intensamente ir para outra parte e fundar um mundo mais sadio e digno. O problema era que a arte e a ciência de nadar e navegar ainda não tinham sido desenvolvidas – ou talvez tivessem sido há muito esquecidas. Por isso, havia habitantes que simplesmente se negavam a pensar nas alternativas à vida na ilha, enquanto que outros tentavam encontrar soluções para os seus problemas, sem preocupar-se em recuperar o conhecimento de como cruzar as águas. De vez em quando, alguns ilhéus reinventavam a arte de nadar e navegar. Também de vez em quando chegava a eles algum estudante, e então acontecia um diálogo assim:
“Quero aprender a nadar.”
“O que quer fazer para conseguir isso?”
“Nada. Só quero levar comigo uma tonelada de repolho.”
“Que repolho?”
“A comida de que vou precisar no outro lado, ou seja lá onde for.”
“Mas há outras coisas para comer no outro lado.”
“Não sei o que quer dizer. Não tenho certeza. Tenho de levar meu repolho.”
“Mas assim não vai poder nadar. Uma tonelada de repolho é uma carga muito pesada.”
“Então não posso aprender. Para você, meu repolho é uma carga. Para mim, é um alimento essencial.”
“Suponhamos que – como numa alegoria – os repolhos representem ideias adquiridas, pressupostos ou certezas.”
“Hum... Vou levar meus repolhos para onde haja alguém que entenda as minhas necessidades.”

O peso da vida
(Aimelle ML: artista canadense)

Referência:

MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. De repolhos e necessidades. Tradução de Humberto Mariotti e Lia Diskin. In: __________. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução de Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo, SP: Palas Athena, 2001. p. 271-272.

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