O tempo de poesia, segundo o poeta lusitano, é qualquer tempo entre as
antinomias que costumam configurar a realidade: de paz ou combate; de frio ou
quente; de amor ou discórdia; de aliança ou vingança. Afinal, a poesia não pode
desconsiderar o que se passa em nossas lidas, da madrugada ao ocaso.
Com efeito, há poesia no verso compromissado, voltado à defesa da dignidade
da pessoa humana; do mesmo modo, a poesia se manifesta na fluidez dos fatos da
natureza, sem valorações que não sejam as que nos passam pela mente. A beleza
contida em cada uma dessas modalidades de poesia é o mote de que os poetas lançam
mão para torná-la imprescindível em nosso quotidiano, como o ar que se respira!
J.A.R. – H.C.
António Gedeão
(1906-1997)
Tempo de Poesia
Todo o tempo é de
poesia.
Desde a névoa da
manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do
ventre
à frigidez da agonia.
Todo o tempo é de
poesia.
Entre bombas que
deflagram.
Corolas que se
desdobram.
Corpos que em sangue
soçobram
Vidas que a amar se
consagram
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem
vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de
poesia.
Desde a arrumação do
caos
à confusão da
harmonia.
Em: “Movimento Perpétuo” (1956)
Número 1
(Jackson Pollock:
pintor norte-americano)
Referência:
GEDEÃO, António. Tempo de poesia. In:
__________. Poesias completas:
1956-1967. 7. ed. Lisboa, PT: Portugália, 1978. p. 31-32. (Coleção ‘Poetas de
Hoje’; v. 17)
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