Para um mote criado pelo poeta luso-brasileiro Domingos Carvalho da
Silva, Paes, reputado tradutor, crítico e também poeta pátrio, nos oferece um
soneto “desgarrado”, para quem as palavras do referido argumento foram criadas,
com alusão aos nomes de Raul de Leoni, declinado logo no primeiro verso, e de
Fernando Pessoa, encerrado no último.
Uma vez que se trata de um metassoneto “desgarrado”, nele couberam
apenas referências a autores que ou bem o cultuaram segundo padrões não tão
rigidamente clássicos no conteúdo, como Leoni – aliás, um poeta excepcional que
faleceu prematuramente –, ou bem nos ofereceram belas flores incidentais, como
Vinicius de Moraes, ou, ainda, frutos amadurecidos da árvore do cientificismo e
da teorização, a exemplo de Augusto dos Anjos.
J.A.R. – H.C.
José Paulo Paes
(1926-1998)
Soneto ao Soneto
(sobre mote)
Perdeste em Leoni o decadente enredo
Deu-te Pessoa estrelas imprevistas
Domingos Carvalho da Silva
Perdeste em Leoni o decadente enredo
E essa perda afinal te enriqueceu:
Deixaste de ser grato ao filisteu
Que te queria digestivo e ledo.
Fez-te Augusto dos Anjos atro e azedo
Resmungo de defunto. Míope Orfeu,
Bandeira te tossiu e converteu-te
Em tísico e lírico segredo.
Sosígenes te deu pavões dementes,
Cassiano ardor trocadilhesco e dentes
Para mascar amêndoas concretistas.
Pôs-te Vinícius mijos dissolventes.
Mas isso no intramar; no ultra,
entrementes,
Deu-te
Pessoa estrelas imprevistas.
O Soneto
(William
Mulready: pintor irlandês)
Referência:
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