Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 28 de julho de 2018

Lord Byron - Do Canto IV de “A peregrinação de Childe Harold”‎

As passagens do Canto IV, traduzidas com espero por Augusto de Campos e abaixo transcritas, concentram-se em descrever o passado glorioso de Veneza, quer no âmbito econômico quer no cultural, neste caso com direito à menção a grandes nomes da literatura e do teatro – Shakespeare aí incluso, ‘of course’, haja vista que algumas peças do bardo têm-na como cenário.

 

Em trânsito pela cidade, Byron bem percebeu o seu estado decadente – isso já em meados de 1817 –, extraindo daí melancólico ensinamento: mesmo as mais poderosas instituições humanas não ficam a salvo do efêmero, tudo se diluindo com o passar dos séculos, embora remanesçam alguns vestígios na arquitetura, nos monumentos, nas obras documentais.

 

‘Décadence sans élégance’! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

George Gordon Byron

(1788-1824)

Retrato de Thomas Sully

 

From Canto IV

 

I

 

I stood in Venice, on the Bridge of Sighs,

A palace and a prison on each hand:

I saw from out the wave her structures rise

As from the stroke of the enchanter’s wand:

A thousand years their cloudy wings expand

Around me, and a dying Glory smiles

O’er the far times, when many a subject land

Looked to the wingéd Lion’s marble piles,

Where Venice sate in state, throned on her hundred isles!

 

XI

 

The spouseless Adriatic mourns her lord;

And, annual marriage now no more renewed,

The Bucentaur lies rotting unrestored,

Neglected garment of her widowhood!

St. Mark yet sees his lion where he stood

Stand, but in mockery of his withered power,

Over the proud place where an Emperor sued,

And monarchs gazed and envied in the hour

When Venice was a queen with an unequalled dower.

 

XV

 

Statues of glass – all shivered – the long file

Of her dead doges are declined to dust;

But where they dwelt, the vast and sumptuous pile

Bespeaks the pageant of their splendid trust;

Their sceptre broken, and their sword in rust,

Have yielded to the stranger: empty halls,

Thin streets, and foreign aspects, such as must

Too oft remind her who and what enthrals,

Have flung a desolate cloud o’er Venice’ lovely walls.

 

XVIII

 

I loved her from my boyhood: she to me

Was as a fairy city of the heart,

Rising like water-columns from the sea,

Of joy the sojourn, and of wealth the mart

And Otway, Radcliffe, Schiller, Shakspeare’s art,

Had stamped her image in me, and e’en so,

Although I found her thus, we did not part,

Perchance e’en dearer in her day of woe,

Than when she was a boast, a marvel, and a show.

 

Veneza

(Thomas Kinkade: pintor norte-americano)

 

Do Canto IV

 

I

 

Veneza. Estou na Ponte dos Suspiros.

O palácio e a prisão, de canto a canto:

Das ondas dos canais vejo subir os

Antigos muros como por encanto:

Mil anos passam na memória enquanto

Em suas asas de névoa eu vejo as trilhas

Dos povos que vieram sob o manto

Do Leão alado, e as muitas maravilhas

Onde Veneza está em seu trono de cem ilhas!

 

XI

 

O Adriático chora por seu doge

E o matrimônio já não comemora.

O Buccentoro jaz – o tempo foge –

Deteriorado e sem o ouro de outrora!

São Marcos não revê o leão agora

Como antes, só o escárnio da memória

Do poder imperial, quando, de fora,

Monarcas invejavam sua história

E Veneza reinava em toda a sua glória.

 

XV

 

Cacos de estátuas vítreas – a fileira

Dos doges mortos em pó se desfaz.

Mas a cidade se ergue da poeira

Na pompa dos palácios senhoriais.

Cetros rotos a espadas e punhais

De estranhos entregaram a grandeza:

Ruas estreitas, escuros canais,

Salas vazias da antiga beleza,

Lançaram uma nuvem gris sobre Veneza.

 

XVIII

 

Desde cedo eu a pus em meu altar,

Cidade etérea que se vê surgir

Como em colunas de água sobre o mar.

Sítio do amor e sede do mercar,

Que Otway, Radcliffe, Schiller, Shakespeare

Celebrizaram. Mas ainda a dor

De agora não nos pode dividir,

Talvez mais bela no seu desfavor

Do que quando era só poder, glória e fulgor.

 

Referência:

 

BYRON, George Gordon. Childe Harold’s pilgrimage: a romaunt; canto IV (excertos). Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Seleção e Tradução). Byron e Keats: entreversos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. Em inglês: p. 24 e 26; em português: p. 25 e 27.

2 comentários:

  1. ..depois de ter lido 'Marca d'água', de Joseph Brodsky, algo como um solavanco..

    ResponderExcluir
  2. Prezado Lyra: coloquei a obra de Brodsky no meu roteiro de leituras. Observei, contudo, que já se encontra indisponível, no Brasil, a tradução da Cosac & Naify. Vou procurá-la por outros meios. Muito obrigado pela indicação. Um abraço. J. A. Rodrigues

    ResponderExcluir