Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Alexandre Marino - As Cinco Estações ‎

Este poema de Marino fez-me, de início, rir um pouco, pois as cinco estações a que o poeta mineiro se refere são, no dizer ferino daqueles que têm birra de Brasília, os estágios pelos quais passam tantos quantos que vêm habitar esta cidade do Planalto Central e por aqui se demoram, a exemplo do próprio autor.

De minha parte, não passei por nenhum desses estágios – ou estações –, nem pelo deslumbramento, tampouco pela demência, mas imagino que, em dois ou três anos, talvez me despeça de Brasília, não por outro motivo que não seja porque adoro o mar e ter que me contentar com o Lago Paranoá é limitar um bocado a vastidão das águas (rs).

Mas as estações dos 5Ds, no presente caso, servem apenas de mote para a conversão em matéria poética dos estados que perpassaram a mente do vate, algo assemelhados aos de uma ‘via crucis’ e associados aos fatos, circunstâncias e realidade urbana da capital da República.

Alexandre Marino

(n. 1956)

As Cinco Estações

1. Deslumbramento

Guarda as surpresas em becos escuros,
enterra sorrisos à sombra das andrômedas,
foge para a terra plana, que a história espera;

A cidade se oferece sensual aos suicidas,
reminiscência de um tempo natimorto
na dispersão veloz das avenidas;

Devora a rosa dos ventos, perde o norte,
ancora teus passos erradios na chegada
a esse mar de sal nas encostas do nada.

2. Desengano

Aqui vivem as distâncias, o êxtase aziago,
o destino que acatas, sonhos e epitáfios,
tempestades de areia sob tapetes persas;

Vieste por insônia, insolência ou loucura,
um olhar sedutor da criatura de pedra,
o sorriso derramado sobre a terra seca;

Encantam-te a prostituta que se faz de casta,
olhares desamparados de mercadores de almas,
simulacros de deuses que suplicam oferendas.

3. Desespero

Sob suas bênçãos, a virgem acalenta
o sonho dos filhos da pátria adormecida,
e acorda cega ao primeiro estupro;

Ela se cobre com um véu sem nuvens,
viagem de pássaros incultos
que defecam sobre formas eternas;

O desespero, esse abismo noturno,
alvora o deus informe, que te arrefece
à sombra das árvores paraplégicas.

4. Demência

Cá’stou, senhora, submisso aos enganos,
conduzo tesouros em malas vazias,
leso soberano de extintas aldeias;

Envenenado pelas flores do mal,
adorno da vagina devoradora de almas,
que expele crianças sobre o asfalto;

Inóspito futuro de miragens de pedra,
cumpre a meretriz seu destino e demência,
de atirar sementes sobre a terra seca.

5. Despedida

Criatura pérfida, de olhos vermelhos,
arquipélago de areia e totens ególatras,
que gargalham vomitando gravatas;

A vida acontece ao redor de urna cruz,
morrem os náufragos de saudades do mar,
mirando horizontes tragados a régua;

Deuses entorpecidos no pecado original
revelam a fórmula da felicidade
a economistas que tramam o juízo final.

Brasília: skyline

Referência:

MARINO, Alexandre. As cinco estações. In: CAGIANO, Ronaldo (Org.). Poetas mineiros em Brasília. Introdução de Affonso Romano de Sant’Anna. Brasília, DF: Varanda, 2002. p. 34-36.

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