Este poema de Marino fez-me, de início, rir um pouco, pois as cinco
estações a que o poeta mineiro se refere são, no dizer ferino daqueles que têm
birra de Brasília, os estágios pelos quais passam tantos quantos que vêm
habitar esta cidade do Planalto Central e por aqui se demoram, a exemplo do
próprio autor.
De minha parte, não passei por nenhum desses estágios – ou estações –,
nem pelo deslumbramento, tampouco pela demência, mas imagino que, em dois ou
três anos, talvez me despeça de Brasília, não por outro motivo que não seja
porque adoro o mar e ter que me contentar com o Lago Paranoá é limitar um
bocado a vastidão das águas (rs).
Mas as estações dos 5Ds, no presente caso, servem apenas de mote para a
conversão em matéria poética dos estados que perpassaram a mente do vate, algo
assemelhados aos de uma ‘via crucis’ e associados aos fatos, circunstâncias e
realidade urbana da capital da República.
Alexandre Marino
(n. 1956)
As Cinco Estações
1. Deslumbramento
Guarda as surpresas
em becos escuros,
enterra sorrisos à
sombra das andrômedas,
foge para a terra
plana, que a história espera;
A cidade se oferece
sensual aos suicidas,
reminiscência de um
tempo natimorto
na dispersão veloz
das avenidas;
Devora a rosa dos
ventos, perde o norte,
ancora teus passos
erradios na chegada
a esse mar de sal nas
encostas do nada.
2. Desengano
Aqui vivem as
distâncias, o êxtase aziago,
o destino que acatas,
sonhos e epitáfios,
tempestades de areia
sob tapetes persas;
Vieste por insônia,
insolência ou loucura,
um olhar sedutor da
criatura de pedra,
o sorriso derramado
sobre a terra seca;
Encantam-te a
prostituta que se faz de casta,
olhares desamparados
de mercadores de almas,
simulacros de deuses
que suplicam oferendas.
3. Desespero
Sob suas bênçãos, a
virgem acalenta
o sonho dos filhos da
pátria adormecida,
e acorda cega ao
primeiro estupro;
Ela se cobre com um
véu sem nuvens,
viagem de pássaros
incultos
que defecam sobre
formas eternas;
O desespero, esse
abismo noturno,
alvora o deus
informe, que te arrefece
à sombra das árvores
paraplégicas.
4. Demência
Cá’stou, senhora,
submisso aos enganos,
conduzo tesouros em
malas vazias,
leso soberano de
extintas aldeias;
Envenenado pelas
flores do mal,
adorno da vagina
devoradora de almas,
que expele crianças
sobre o asfalto;
Inóspito futuro de
miragens de pedra,
cumpre a meretriz seu
destino e demência,
de atirar sementes
sobre a terra seca.
5. Despedida
Criatura pérfida, de
olhos vermelhos,
arquipélago de areia
e totens ególatras,
que gargalham
vomitando gravatas;
A vida acontece ao
redor de urna cruz,
morrem os náufragos
de saudades do mar,
mirando horizontes
tragados a régua;
Deuses entorpecidos
no pecado original
revelam a fórmula da
felicidade
a economistas que
tramam o juízo final.
Brasília: skyline
Referência:
MARINO, Alexandre. As cinco estações.
In: CAGIANO, Ronaldo (Org.). Poetas
mineiros em Brasília. Introdução de Affonso Romano de Sant’Anna. Brasília,
DF: Varanda, 2002. p. 34-36.
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