Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Alphonsus de Guimaraens Filho - Visão dos Profetas de Congonhas ‎

O poeta dirige-se às esculturas dos profetas hebreus, esculpidas por Aleijadinho e posicionadas no átrio da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, de onde têm um campo de visão privilegiado dos arredores, embora expostos a todo tipo de intempérie, mesmo que frágeis em seus arcabouços de pedra-sabão.

 

Quando lá estive, em 1989 e, depois, em 1997, fui tomado pela mesma sensação de amplidão e silêncio que assaltou Alphonsus Filho, emanada daquele cenário montanhoso de solidões e liberdades, não exatamente um deserto, mas que permite, de um modo ou de outro, associá-lo à ideia bíblica de que ali estão os profetas, como vozes que clamam por Javé em ermas paragens.

 

J.A.R. – H.C.

 

Alphonsus de Guimaraens Filho

(1918-2008)

 

Visão dos Profetas de Congonhas

 

Nestas solenes solidões pousados,

que querem os profetas de Congonhas?

Por que verbos sublimes arrebatados

 

erguem os vagos olhos penitentes,

enquanto hesitam tristes e tardonhas

luzes, nas ruas ermas, quase ausentes?

 

Que querem os profetas? Silenciam

um segredo maior? Em vão lamentam,

serenamente, a dor de os terem posto

 

aí, nesse deserto onde o seu rosto

de dura pedra é carne a que atormentam

ventos cruéis, estrelas que os espiam

 

indiferentes, como a seres mortos?

Que querem os profetas? Que esperança

inculcam? Que sugerem, se de estranhas

 

solidões de montanhas e montanhas,

de arenosos suspiros, desses tortos

becos e estradas sem destino, avança

 

o seu perfil sereno? Que desejam

além do que nos narram sem dizer

nada de nada, na postura grave

 

dos que conhecem? Que repouso almejam,

que além da pedra deve renascer

ao mesmo tempo áspero e suave?

 

Que querem os profetas, nesta hora

em que Minas Gerais, triste e profunda,

nas encostas se deita contemplando

 

o que foi ontem mas se faz agora,

o que de ouro repontou – fecunda

noite de que não surge nunca a aurora?

 

Que querem os profetas? Revolvendo

as túnicas imóveis, passa um vento

que ninguém sabe ao menos porque passa,

 

e um frio de outros dias, aquecendo

os corações, é como algum lamento

de ave invisível que no céu esvoaça...

 

Mas que querem? Que sonham? Silenciam.

E, no grande sossego da colina,

na paz das Minas ermas e severas,

 

a sua sombra se projeta – e as eras

que evocam, ressonância da divina

Presença, aos poucos voltam, se anunciam,

 

e eles que no desterro se ocultavam,

eles que transplantados se deixavam

perder-se em névoa e ausência, agora são

 

mais humanos, talvez acolhedores,

– enquanto a noite envolve em novas dores

o seu peito de pedra e solidão.

 

Em: “Aqui: (1944-1960) / I. Os Redutos”

 

Profetas: Congonhas do Campo

(Emeric Racz Marcier: pintor romeno-brasileiro)

 

Referência:

 

GUIMARAENS FILHO, Alphonsus de. Visão dos profetas de Congonhas. In: __________. Antologia poética. 2. ed. Rio de Janeiro, GB: Editora do Autor, 1963. p. 133-134.

Nenhum comentário:

Postar um comentário