Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Charles Baudelaire - O gosto do nada ‎

O poeta dirige-se a si mesmo, como se estivesse fatigado das lidas da vida, confrontando estágios pelos quais passou com o da situação atual, em que já se encontra sem dinâmica, prenunciando-lhe a morte não tão distante: eis o componente onipresente do tempo que alimenta o assombro da poesia do francês!

O tempo é uma espécie de vampiro que se alimenta da energia vital do homem, jogando-o não só no abismo carnal, quanto – e principalmente – no abismo da ação, dos sonhos, das memórias, do desejo, da compunção e até mesmo da beleza. Quem haverá de salvá-lo dessa vertigem existencial?

J.A.R. – H.C.


Charles Baudelaire
(1821-1867)

Le goût du néant

 

Morne esprit, autrefois amoureux de la lutte,

L’Espoir, dont l’éperon attisait ton ardeur,

Ne veut plus t’enfourcher! Couche-toi sans pudeur,

Vieux cheval dont le pied à chaque obstacle butte.

 

Résigne-toi, mon cœur; dors ton sommeil de brute.

 

Esprit vaincu, fourbu! Pour toi, vieux maraudeur,

L’amour n’a plus de goût, non plus que la dispute;

Adieu donc, chants du cuivre et soupirs de la flûte!

Plaisirs, ne tentez plus un coeur sombre et boudeur!

 

Le Printemps adorable a perdu son odeur!

 

Et le Temps m’engloutit minute par minute,

Comme la neige immense un corps pris de roideur;

Je contemple d’en haut le globe en sa rondeur

Et je n’y cherche plus l’abri d’une cahute.

 

Avalanche, veux-tu m’emporter dans ta chute?


Cristo no Deserto
(Ivan N. Kramskoy: pintor russo)

O gosto do nada

 

Espírito sombrio, outrora afeito à luta,

A Esperança, que um dia te instigou o ardor,

Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,

Cavalo que tropeça e cujo pé reluta.

 

Conforma-te, minha alma, ao sono que te enluta.

 

Espírito alquebrado! ao velho salteador

Já não seduz o amor, nem tampouco a disputa;

Não mais o som da flauta ou do clarim se escuta!

Prazer, dá trégua a um coração desfeito em dor!

 

Perdeu a doce primavera o seu odor!

 

O Tempo dia a dia os ossos me desfruta,

Como a neve que um corpo enrija de torpor;

Contemplo do alto a terra esférica e sem cor,

E nem procuro mais o abrigo de uma gruta.

 

Vais levar-me, avalanche, em tua queda abrupta?


Referência:

BAUDELAIRE, Charles. Le goût du néant / O gosto de nada. Tradução de Ivan Junqueira. In: __________. As flores do mal. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Apresentação de Marcelo Jacques. Edição Especial. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2012. Em francês: p. 288 e 290; em português: 289 e 291. (Série ‘Saraiva de Bolso’)

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