Assim
como Octavio Paz o
faz, Montale considera as palavras como meretrizes a se oferecerem à pronúncia
ou à escrita de qualquer um, embora haja aquelas que remanescem esquecidas no
mais incógnito dos dicionários – até que um “marrão resolva desenterrar as
trufas mais fedorentas e mais raras”.
Se o
poema permitisse atualização, as teclas da máquina de datilografar Olivetti
poderiam agora ser comparadas às de um micro, notebook ou tablet, de onde emana
a poesia encerrada nas palavras que o poeta seleciona ao idioma para transformar
a realidade à volta – memória, emoções, pensamentos, ruídos, objetos e paragens
da natureza – no mais puro êxtase.
J.A.R.
– H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Le
Parole
Le
parole
se si
ridestano
rifiutano
la sede
più
propizia, la carta
di
Fabriano, l’inchiostro
di
china, la cartella
di
cuoio o di velluto
che
le tenga in segreto;
le
parole
quando
si svegliano
si
adagiano sul retro
delle
fatture, sui margini
dei
bollettini del lotto,
sulle
partecipazioni
matrimoniali
o di lutto;
le
parole
non
chiedono di meglio
che
l’imbroglio dei tasti
nell’Olivetti
portatile,
che
il buio dei taschini
del
panciotto, che il fondo
del
cestino, ridottevi
in
pallottole;
le
parole
non
sono affatto felici
di
essere buttate fuori
come
zambrocche e accolte
con
furore di plausi e
disonore;
le
parole
preferiscono
il sonno
nella
bottiglia al ludibrio
di
essere lette, vendute,
imbalsamate,
ibernate;
le
parole
sono
di tutti e invano
si
celano nei dizionari
perché
c’è sempre il marrano
che
dissotterra i tartufi
più
puzzolenti e più rari;
le
parole
dopo
un’eterna attesa
rinunziano
alla speranza
di
essere pronunziate
una
volta per tutte
e poi
morire
con
chi le ha possedute.
(Curtis Verdun: pintor norte-americano)
As
Palavras
As
palavras
se se
reanimam
recusam
a base
mais
propícia, o papel
de
Fabriano, a tinta
nanquim,
a pasta
de
couro ou de veludo
que
as guarde em segredo;
as
palavras
quando
se despertam
se
ajeitam no verso
das
faturas, nas margens
dos
bilhetes de loto,
sobre
os convites
para
casamento ou enterro;
as
palavras
não
pedem mais do que
a
confusão das teclas
da
Olivetti portátil,
do
que a escuridão dos bolsos
do
colete, do que o fundo
das
cestas de papéis, reduzidas
a
bolinhas;
as
palavras
não
ficam nada contentes
de
serem postas para fora
como
meretrizes e acolhidas
com o
furor de aplausos
e
desonra;
as
palavras
preferem
o sono
na
garrafa fechada ao ludíbrio
de
serem lidas, vendidas,
embalsamadas,
hibernadas;
as
palavras
são
de todos e em vão
se
ocultam nos dicionários
porque
há sempre o marrão
que
desenterra as trufas
mais
fedorentas e mais raras;
as
palavras
após
uma espera eterna
renunciam
à esperança
de
serem pronunciadas
de
uma vez por todas
e de
morrerem depois
com
quem as possuiu.
Referência:
MONTALE,
Eugenio. Le parole / As palavras. Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti. In:
__________. Poesias. Edição bilíngue. Seleção, tradução e notas de
Geraldo Holanda Cavalcanti. Prefácio de Luciana Stegagno Picchio. Rio de
Janeiro, RJ: Record, 1997. Em italiano: 150 e 152; em português: p. 151 e 153.
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