O poeta vai até a noite dos tempos para de lá
expor à tona os arquétipos que deram início à cultura hebraica, compendiada nos
livros sagrados – circunscrita, a princípio, a um modo de vida nômade e
pastoril. Daí as menções a espaços amplos e a rebanhos que, nas Escrituras,
teriam sido a vocação de Abel – distintamente do pendor de seu fratricida
irmão, Caim, lavrador.
Tal é a gênese desse povo, em mescla de mito e
história, que perdura até os nossos dias: a beleza das narrativas tem o condão
de se manter ostensiva mesmo àqueles que, milênios depois, compulsam as páginas
da Torá, pouco importando se com o coração devoto ou se apenas para deleitar-se
com o patrimônio literário ali decantado.
J.A.R. – H.C.
Avraham Schlonski
(1900-1973)
Pastor
Aquela extensão que dilata as narinas,
aquela altura que se inclina para o teu lado.
A claridade espalhada pela brancura do leite.
E o cheiro da lã.
E o cheiro do pão.
E aos pés do rebanho e do homem atento
ao canto das línguas na água do bebedouro,
descalço,
na nudez dos seus cinco sentidos,
a manhã avança ao encontro do meio-dia.
Manhã de gênese! Evapora nos campos
os orvalhos da erva. E o incenso da estrumeira.
De horizonte a horizonte: um homem – e um campo.
De horizonte a horizonte: o rebanho – e Abel.
Pastor e Ovelhas
(Anton Mauve: pintor holandês)
Referência:
SCHLONSKI, Avraham. Pastor.
Tradução de Cecília Meireles. In: GUINSBURG, J.; TAVARES, Zulmira Ribeiro
(Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de Paulina Rabinovich.
São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 451. (Coleção “Judaica”; v. 12)
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