Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 15 de julho de 2018

Sophia de Mello Breyner Andresen - Varandas ‎

Há certos mistérios na criação poética que desafiam os mais perspicazes teóricos da matéria: o poema não necessita de tantas referências entrecruzadas ou jogos de palavras a simular verdadeiros ‘puzzles’, para que desperte no leitor aquela sensação de ressonância perceptiva que, de todo modo, nem se poderá afirmar peremptoriamente que existiu assim como a concebeu o poeta.

 

Constata-se no poema de Andresen a clara intenção de refletir ao olhar de quem o lê uma gama de cores que se distribui pelos espaços componentes dos cenários à volta das varandas em epígrafe: azul, verde-escuro, branco, roxo azul, furta-cor.

 

Mas o que remanesce, ao final do poema, é exatamente a sensação que se pretende transmitir: a autora nos conta, recostada na varanda de hoje, como os seus poemas emergem e se alinham nas páginas do caderno, repletos de vestígios de uma época de ouro, fruída na varanda de ontem, que foi eternidade enquanto perdurou-lhe a juventude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

(1919-2004)

 

Varandas

 

É na varanda que os poemas emergem

Quando se azula o rio e brilha

O verde-escuro do cipreste – quando

Sobre as águas se recorta a branca escultura

Quase oriental e quase marinha

Da torre aérea e branca

E a manhã toda aberta

Se torna irisada e divina

E sobre a página do caderno o poema se alinha

 

Noutra varanda assim num setembro de outrora

Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava

Amei a vida como coisa sagrada

E a juventude me foi eternidade

 

Em: “O Búzio de Cós” (1997)

 

Jovem senhora numa varanda

(Gerrit Dou: pintor holandês)

 

Referência:

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Varandas. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (Organização e Introdução). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda Editores, 1999. p. 85.

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