Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 17 de julho de 2018

Neftalí Beltrán - Rio de Janeiro ‎

O poeta mexicano descreve a forma como se sentiu no capital carioca, rodeada de belezas naturais sem par, bem como criações humanas inaceitáveis num país dito civilizado, nomeadamente, as inúmeras favelas que a circundam – “tão amplas quanto o mar” –, resultado explícito do modo como não são consideradas com o mínimo de respeito as políticas de igualdade de oportunidades neste Pindorama, preferindo-se o padrão “Casa Grande & Senzala” que vige até os dias de hoje, com o aval da mídia, diga-se, que dele se aproveita para manter-se com as benesses públicas que lhe são indevidamente drenadas.

Vê-se nos versos de Beltrán muito das palavras padronizadas que os turistas emitem quando visitam o Rio – carnaval, calor, roupas mínimas sob o sol, caos urbano, sincretismo religioso etc. –, mas que agora necessitam de pronta atualização: a falta de segurança ao se caminhar por suas ruas, embora perdure ainda o onipresente encanto natural.

J.A.R. – H.C.

Neftalí Beltrán
(1916-1996)

Río de Janeiro

para Francisco Martínez de la Vega

He aquí un pueblo feliz,
un pueblo bueno como el Pan de Azúcar,
con la indolência vegetal de la orquídea,
donde la sombra es apetecida
y el sol un látigo sobre los cuerpos,
donde las gentes van en el verano
usando dominicales ropas mínimas,
donde la pobreza es ancha como el mar
y la belleza se extiende reclinada
por todo el verde, litoral atlântico.
He aquí la ciudad maravillosa
donde mar y edifícios forman ângulos rectos,
donde la tristeza es más compacta
y la alegria más contagiosa,
donde sexo y sudor son exhaustivos
y las horas tienen la ligereza de las aves.
Rio de Janeiro
de gentes tranquilas y apasionadas,
de montanosos muros,
fírme, desordenada geometria,
arte del tiempo y de la geologia.
Giudad puerto escondido,
mis pasos dejan huellas en tu arena,
conozco tus rincones y tus dioses
y oigo tu Carnaval año tras año.
(İOh el Carnaval, el Carnaval de Río!
Calles por donde desemboca el mundo
en danzas de monótona alegria.
Donde todo es color, todo matices,
donde el hombre se olvida de su vida
y va a buscarse en el pasado
o se adivina en lo futuro
pero es feliz, feliz en el presente.)
Hoy comparto tu vida
y desde miles de ventanas abiertas
contemplo la belleza que te cine
desde el amanecer, al dia siguiente.
El fin está llegando y cuando llegue
quiero morir como tú mueres,
cansado, arrepentido,
con el alma enfermiza,
en un Miércoles de Ceniza.

Rio de Janeiro em 1844
(Alessandro Cicarelli: pintor italiano)

Rio de Janeiro

para Francisco Martínez de la Vega

Eis aqui um povo feliz,
um povo bom como o Pão de Açúcar,
com a indolência vegetal da orquídea,
onde se deseja a sombra,
pois que o sol é um flagelo sobre os corpos,
onde as pessoas, no verão,
usam roupas dominicais mínimas,
onde a pobreza é ampla como o mar
e a beleza se estende reclinada
por todo o verde, litoral atlântico.
Eis aqui a cidade maravilhosa
onde mar e edifícios formam ângulos retos,
onde constringida é a tristeza
e a alegria mais contagiante,
onde o sexo e o suor são exaustivos
e as horas têm a leveza das aves.
Rio de Janeiro
de pessoas tranquilas e apaixonadas,
de montanhosos paredões,
firme, desordenada geometria,
arte do tempo e da geologia.
Cidade portuária escondida,
meus passos deixam marcas em tua areia,
conheço teus recantos e teus deuses
e ouço teu Carnaval anos após ano.
(Oh o Carnaval, o Carnaval do Rio!
Ruas por onde o mundo deságua
em danças de monótona alegria.
Onde tudo é cor, tudo matizes,
onde o homem se esquece da vida
e vai em busca do passado
ou se advinha no futuro,
embora seja feliz, feliz no presente.)
Hoje compartilho tua vida
e de milhares de janelas abertas
contemplo a beleza que te rodeia,
desde o amanhecer até o dia seguinte.
O fim se aproxima e quando chegar
quero morrer como tu morres,
cansado, arrependido,
com a alma adoentada,
numa quarta-feira de cinzas.

Referência:

BELTRÁN, Neeftalí. Río de Janeiro. In: __________. Poesía: 1936-1977. México, DF: Fondo de Cultura Económica, marzo 1978. p. 128-129. (“Letras Mexicanas”)

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