O poeta mexicano descreve a forma como se sentiu no capital carioca,
rodeada de belezas naturais sem par, bem como criações humanas inaceitáveis num
país dito civilizado, nomeadamente, as inúmeras favelas que a circundam – “tão
amplas quanto o mar” –, resultado explícito do modo como não são consideradas
com o mínimo de respeito as políticas de igualdade de oportunidades neste
Pindorama, preferindo-se o padrão “Casa Grande & Senzala” que vige até os
dias de hoje, com o aval da mídia, diga-se, que dele se aproveita para
manter-se com as benesses públicas que lhe são indevidamente drenadas.
Vê-se nos versos de Beltrán muito das palavras padronizadas que os
turistas emitem quando visitam o Rio – carnaval, calor, roupas mínimas sob o
sol, caos urbano, sincretismo religioso etc. –, mas que agora necessitam de
pronta atualização: a falta de segurança ao se caminhar por suas ruas, embora
perdure ainda o onipresente encanto natural.
J.A.R. – H.C.
Neftalí Beltrán
(1916-1996)
Río de Janeiro
para Francisco Martínez de la Vega
He aquí un pueblo
feliz,
un pueblo bueno como
el Pan de Azúcar,
con la indolência vegetal
de la orquídea,
donde la sombra es
apetecida
y el sol un látigo
sobre los cuerpos,
donde las gentes van
en el verano
usando dominicales
ropas mínimas,
donde la pobreza es
ancha como el mar
y la belleza se
extiende reclinada
por todo el verde, litoral
atlântico.
He aquí la ciudad
maravillosa
donde mar y edifícios
forman ângulos rectos,
donde la tristeza es
más compacta
y la alegria más
contagiosa,
donde sexo y sudor
son exhaustivos
y las horas tienen la
ligereza de las aves.
Rio de Janeiro
de gentes tranquilas
y apasionadas,
de montanosos muros,
fírme, desordenada
geometria,
arte del tiempo y de
la geologia.
Giudad puerto
escondido,
mis pasos dejan
huellas en tu arena,
conozco tus rincones
y tus dioses
y oigo tu Carnaval año
tras año.
(İOh el Carnaval, el
Carnaval de Río!
Calles por donde
desemboca el mundo
en danzas de monótona
alegria.
Donde todo es color,
todo matices,
donde el hombre se
olvida de su vida
y va a buscarse en el
pasado
o se adivina en lo
futuro
pero es feliz, feliz
en el presente.)
Hoy comparto tu vida
y desde miles de
ventanas abiertas
contemplo la belleza
que te cine
desde el amanecer, al
dia siguiente.
El fin está llegando
y cuando llegue
quiero morir como tú
mueres,
cansado, arrepentido,
con el alma
enfermiza,
en un Miércoles de
Ceniza.
Rio de Janeiro em 1844
(Alessandro
Cicarelli: pintor italiano)
Rio de Janeiro
para Francisco Martínez de la Vega
Eis aqui um povo
feliz,
um povo bom como o
Pão de Açúcar,
com a indolência
vegetal da orquídea,
onde se deseja a
sombra,
pois que o sol é um
flagelo sobre os corpos,
onde as pessoas, no
verão,
usam roupas
dominicais mínimas,
onde a pobreza é
ampla como o mar
e a beleza se estende
reclinada
por todo o verde,
litoral atlântico.
Eis aqui a cidade
maravilhosa
onde mar e edifícios
formam ângulos retos,
onde constringida é a
tristeza
e a alegria mais
contagiante,
onde o sexo e o suor
são exaustivos
e as horas têm a
leveza das aves.
Rio de Janeiro
de pessoas tranquilas
e apaixonadas,
de montanhosos
paredões,
firme, desordenada
geometria,
arte do tempo e da
geologia.
Cidade portuária
escondida,
meus passos deixam
marcas em tua areia,
conheço teus recantos
e teus deuses
e ouço teu Carnaval
anos após ano.
(Oh o Carnaval, o
Carnaval do Rio!
Ruas por onde o mundo
deságua
em danças de monótona
alegria.
Onde tudo é cor, tudo
matizes,
onde o homem se
esquece da vida
e vai em busca do
passado
ou se advinha no
futuro,
embora seja feliz,
feliz no presente.)
Hoje compartilho tua
vida
e de milhares de
janelas abertas
contemplo a beleza
que te rodeia,
desde o amanhecer até
o dia seguinte.
O fim se aproxima e
quando chegar
quero morrer como tu
morres,
cansado, arrependido,
com a alma adoentada,
numa quarta-feira de
cinzas.
Referência:
BELTRÁN, Neeftalí. Río de Janeiro. In:
__________. Poesía: 1936-1977.
México, DF: Fondo de Cultura Económica, marzo 1978. p. 128-129. (“Letras
Mexicanas”)
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