O autor destes três sonetos, a sintetizarem a historinha do “Corcunda de
Notre Dame” (“Notre-Dame de Paris”, de 1831), trazida a lume pelo francês
Victor Hugo, é um renomado paraense – bem mais que potiguar –, que dá nome a
uma Escola Estadual em Belém, no mesmo bairro onde nasci: o da Pedreira.
Devo esclarecer que a ortografia apresentada no livro de onde extraí os
infratranscritos sonetos corresponde à das edições originais das obras de
Pinagé. Contudo, a sequência de poemas ora estampada espelha a grafia
atualizada, mesmo que à custa de eventual quebra de sílabas poéticas ao longo
de alguns versos. O poeta há de me perdoar tal insolência, esteja onde estiver!
(rs)
J.A.R. – H.C.
Rodrigues Pinagé
(1895-1973)
Visões de Paris
Lendo “Notre Dame”, de Victor Hugo
I
Quasímodo, ao sair da
sacristia
e encontrando
Esmeralda, na alameda,
quebrou-lhe, a pulso,
o trancelim de seda,
na intenção de despir-lhe
a fantasia.
Foge a virgem, do
monstro que se queda
nos corredouros da
mansão sombria
tendo o mago
estrabismo em labareda
– misto de amor e
teratologia!
Sobe o corcunda pela
torre branca
e, escanchando no
tímpano dolente,
desesperadas
vibrações arranca,
tal se quisesse, no
furor profundo,
que aquele amor
brutal e impenitente
se espalhasse em
gemidos pelo mundo.
II
São dois a amar.
Gringoire – o iconoclasta –
tem ciúme do
corcunda. E, entre assobios
e pedradas, a turba
dos vadios,
de assalto, a augusta
catedral devasta!
Pelos becos oblíquos
e sombrios
corpo disforme e
trôpego se arrasta
e rosna e funga, ao
silvo da vergasta
dos histriões
sacrílegos e frios!
Vai sucumbir. E dos seus
lábios tortos
sai uma triste
gargalhada escrava,
– última voz dos
sonhos que morriam! –
a gargalhada dos
desejos mortos,
que ele, embalado no
cordel, soltava,
quando os dolentes
carrilhões gemiam!
III
Nos arredores de
Paris há um monte.
E a populaça, em
costumeira balda,
vê surgirem, no píncaro
defronte,
dois espectros – Quasímodo
e Esmeralda.
Solitários, vagueiam
pela falda,
aguardando o luar que
além desponte.
Ele – beija-lhe as flores
da grinalda;
Ela – com as mãos lhe
acaricia a fronte.
Galgam depois o
alcantilado abrigo.
Erguem, sutis, a
lousa do jazigo
e, ao merencório
olhar da lua cheia,
por sobre os
remotíssimos destroços,
abraçam-se a cantar
e, unindo os ossos
desmolecularizam-se
na areia!
Em: “Tapera” (1950)
O Corcunda de Notre Dame
(Patrick Whelan:
ilustrador norte-americano)
Referência:
PINAGÉ, Rodrigues. Visões de Paris. In:
__________. Obras completas (poesias) de
Rodrigues Pinagé. Belém, PA: Edições Cejup, mar. 1987. p. 180-181.
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