Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Rodrigues Pinagé - Visões de Paris ‎

O autor destes três sonetos, a sintetizarem a historinha do “Corcunda de Notre Dame” (“Notre-Dame de Paris”, de 1831), trazida a lume pelo francês Victor Hugo, é um renomado paraense – bem mais que potiguar –, que dá nome a uma Escola Estadual em Belém, no mesmo bairro onde nasci: o da Pedreira.

Devo esclarecer que a ortografia apresentada no livro de onde extraí os infratranscritos sonetos corresponde à das edições originais das obras de Pinagé. Contudo, a sequência de poemas ora estampada espelha a grafia atualizada, mesmo que à custa de eventual quebra de sílabas poéticas ao longo de alguns versos. O poeta há de me perdoar tal insolência, esteja onde estiver! (rs)

J.A.R. – H.C.

Rodrigues Pinagé
(1895-1973)

Visões de Paris

Lendo “Notre Dame”, de Victor Hugo

I

Quasímodo, ao sair da sacristia
e encontrando Esmeralda, na alameda,
quebrou-lhe, a pulso, o trancelim de seda,
na intenção de despir-lhe a fantasia.

Foge a virgem, do monstro que se queda
nos corredouros da mansão sombria
tendo o mago estrabismo em labareda
– misto de amor e teratologia!

Sobe o corcunda pela torre branca
e, escanchando no tímpano dolente,
desesperadas vibrações arranca,

tal se quisesse, no furor profundo,
que aquele amor brutal e impenitente
se espalhasse em gemidos pelo mundo.

II

São dois a amar. Gringoire – o iconoclasta –
tem ciúme do corcunda. E, entre assobios
e pedradas, a turba dos vadios,
de assalto, a augusta catedral devasta!

Pelos becos oblíquos e sombrios
corpo disforme e trôpego se arrasta
e rosna e funga, ao silvo da vergasta
dos histriões sacrílegos e frios!

Vai sucumbir. E dos seus lábios tortos
sai uma triste gargalhada escrava,
– última voz dos sonhos que morriam! –

a gargalhada dos desejos mortos,
que ele, embalado no cordel, soltava,
quando os dolentes carrilhões gemiam!

III

Nos arredores de Paris há um monte.
E a populaça, em costumeira balda,
vê surgirem, no píncaro defronte,
dois espectros – Quasímodo e Esmeralda.

Solitários, vagueiam pela falda,
aguardando o luar que além desponte.
Ele – beija-lhe as flores da grinalda;
Ela – com as mãos lhe acaricia a fronte.

Galgam depois o alcantilado abrigo.
Erguem, sutis, a lousa do jazigo
e, ao merencório olhar da lua cheia,

por sobre os remotíssimos destroços,
abraçam-se a cantar e, unindo os ossos
desmolecularizam-se na areia!

Em: “Tapera” (1950)

O Corcunda de Notre Dame
(Patrick Whelan: ilustrador norte-americano)

Referência:

PINAGÉ, Rodrigues. Visões de Paris. In: __________. Obras completas (poesias) de Rodrigues Pinagé. Belém, PA: Edições Cejup, mar. 1987. p. 180-181.

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