O’Hara empreende aqui uma curiosa distinção entre as artes da pintura e
da poesia: enquanto a primeira permite a acumulação de camadas de tinta que, ao
se superporem, praticamente anulam os vestígios das primeiras pinceladas, na
poesia, ao contrário, sempre há espaço para mais palavras, as quais, pelo menos
no plano visual, permanecem registradas nas páginas.
Assim, há efeitos de evidenciação distintos em tais artes, pois ao
apreciador de quadros, a não ser por eventual volume que possa resultar na
massa pictórica, jamais saberá o que está lá muito mais embaixo, expresso nas
primeiras interações do artista com a tela nua.
Mas ao se ler o poema de O’Hara, fica-se com a impressão de que, verdadeiramente, está ele ironizando os resultados do expressionismo abstrato apresentado sob a
forma de pinturas. Afinal, as telas são tão... como diria?... indecifráveis,
que para que produzam efeitos mais palpáveis ao apreciador, especialista ou
leigo, só mesmo muitas palavras para explicá-las. Ou por outra: a pintura se
tornou discursiva! Por isso, indago-lhe internauta: consegue você perceber
sardinhas na tela abaixo de Goldberg?!
J.A.R. – H.C.
Frank O’Hara
(1926-1966)
Why I Am Not a Painter
I am not a painter, I
am a poet.
Why? I think I would
rather be
a painter, but I am
not. Well,
for instance, Mike
Goldberg
is starting a
painting. I drop in.
“Sit down and have a
drink” he
says. I drink; we
drink. I look
up. “You have
SARDINES in it.”
“Yes, it needed
something there.”
“Oh.” I go and the
days go by
and I drop in again.
The painting
is going on, and I
go, and the days
go by. I drop in. The
painting is
finished. “Where’s
SARDINES?”
All that’s left is
just
letters, “It was too
much," Mike says.
But me? One day I am
thinking of
a color: orange. I
write a line
about orange. Pretty
soon it is a
whole page of words,
not lines.
Then another page.
There should be
so much more, not of
orange, of
words, of how
terrible orange is
and life. Days go by.
It is even in
prose, I am a real
poet. My poem
is finished and I
haven’t mentioned
orange yet. It’s
twelve poems, I call
it ORANGES. And one
day in a gallery
I see Mike’s
painting, called SARDINES.
Sardinhas
(Mike Goldberg: pintor norte-americano)
Por que não sou um pintor
Não sou um pintor,
sou um poeta.
Por quê? Creio que
preferiria ser
um pintor, mas não o
sou. Bem,
por exemplo, Mike
Goldberg
está começando uma
pintura. Eu apareço.
“Senta-te e toma um
drinque”, propõe-me.
Eu bebo; nós bebemos.
Levanto
a vista.
“Nomeaste-a SARDINHAS”.
“Sim, precisava de
algo ali”.
“Oh”. Vou-me e os
dias passam
e eu apareço
novamente. A pintura
avança, e outra vez
me retiro, e mais dias
transcorrem. Eu
reapareço. A pintura
está pronta. “Onde
estão as SARDINHAS?”
Sobraram apenas
algumas
letras, “Era demais”,
disse-me Mike.
E eu? Certo dia penso
numa cor; laranja.
Escrevo um verso
sobre o laranja. Logo
torna-se uma
página cheia de
palavras, não de versos.
Em seguida, outra
página. Teria que haver
muito mais, não do
laranja, de
palavras, do terrível
que é o laranja
e a vida. Passam-se
os dias. É assim mesmo
na prosa, sou um
verdadeiro poeta. Meu poema
está pronto e ainda
não mencionei
o laranja. São doze
poemas, denomino-os
LARANJAS. E um dia
numa galeria
vejo a pintura de
Mike, chamada SARDINHAS.
Referência:
O’HARA, Frank. Why I am not a painter. In:
HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern
american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton &
Company Inc., 1994. p. 129-130.
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