Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Frank O’Hara - Por que não sou um pintor

O’Hara empreende aqui uma curiosa distinção entre as artes da pintura e da poesia: enquanto a primeira permite a acumulação de camadas de tinta que, ao se superporem, praticamente anulam os vestígios das primeiras pinceladas, na poesia, ao contrário, sempre há espaço para mais palavras, as quais, pelo menos no plano visual, permanecem registradas nas páginas.

Assim, há efeitos de evidenciação distintos em tais artes, pois ao apreciador de quadros, a não ser por eventual volume que possa resultar na massa pictórica, jamais saberá o que está lá muito mais embaixo, expresso nas primeiras interações do artista com a tela nua.

Mas ao se ler o poema de O’Hara, fica-se com a impressão de que, verdadeiramente, está ele ironizando os resultados do expressionismo abstrato apresentado sob a forma de pinturas. Afinal, as telas são tão... como diria?... indecifráveis, que para que produzam efeitos mais palpáveis ao apreciador, especialista ou leigo, só mesmo muitas palavras para explicá-las. Ou por outra: a pintura se tornou discursiva! Por isso, indago-lhe internauta: consegue você perceber sardinhas na tela abaixo de Goldberg?!

J.A.R. – H.C.

Frank O’Hara
(1926-1966)

Why I Am Not a Painter

I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. Well,

for instance, Mike Goldberg
is starting a painting. I drop in.
“Sit down and have a drink” he
says. I drink; we drink. I look
up. “You have SARDINES in it.”
“Yes, it needed something there.”
“Oh.” I go and the days go by
and I drop in again. The painting
is going on, and I go, and the days
go by. I drop in. The painting is
finished. “Where’s SARDINES?”
All that’s left is just
letters, “It was too much," Mike says.

But me? One day I am thinking of
a color: orange. I write a line
about orange. Pretty soon it is a
whole page of words, not lines.
Then another page. There should be
so much more, not of orange, of
words, of how terrible orange is
and life. Days go by. It is even in
prose, I am a real poet. My poem
is finished and I haven’t mentioned
orange yet. It’s twelve poems, I call
it ORANGES. And one day in a gallery
I see Mike’s painting, called SARDINES.

Sardinhas

(Mike Goldberg: pintor norte-americano)

Por que não sou um pintor

Não sou um pintor, sou um poeta.
Por quê? Creio que preferiria ser
um pintor, mas não o sou. Bem,

por exemplo, Mike Goldberg
está começando uma pintura. Eu apareço.
“Senta-te e toma um drinque”, propõe-me.
Eu bebo; nós bebemos. Levanto
a vista. “Nomeaste-a SARDINHAS”.
“Sim, precisava de algo ali”.
“Oh”. Vou-me e os dias passam
e eu apareço novamente. A pintura
avança, e outra vez me retiro, e mais dias
transcorrem. Eu reapareço. A pintura
está pronta. “Onde estão as SARDINHAS?”
Sobraram apenas algumas
letras, “Era demais”, disse-me Mike.

E eu? Certo dia penso
numa cor; laranja. Escrevo um verso
sobre o laranja. Logo torna-se uma
página cheia de palavras, não de versos.
Em seguida, outra página. Teria que haver
muito mais, não do laranja, de
palavras, do terrível que é o laranja
e a vida. Passam-se os dias. É assim mesmo
na prosa, sou um verdadeiro poeta. Meu poema
está pronto e ainda não mencionei
o laranja. São doze poemas, denomino-os
LARANJAS. E um dia numa galeria
vejo a pintura de Mike, chamada SARDINHAS.

Referência:

O’HARA, Frank. Why I am not a painter. In: HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton & Company Inc., 1994. p. 129-130.

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