O grande poeta místico indiano emprega um paradoxo para fazer distinção
entre o estado de um ser humano que ainda não pôs fim ao domínio de seu ego e o
de outro que já logrou neutralizar os sofrimentos que os desejos suscitam. Assim,
é ele o ser que, estando morto, segue vivo, por haver atingido um nível
superior de consciência.
No domínio natural magistralmente traçado por Kabir, percebe-se o
contraste entre as entidades que povoam o mundo por meio da simples expressão do
ser, e o homem, que, com sua vontade mutante, não é senão a expressão daquilo
que poderá vir a ser; uma potencialidade, portanto!
P.s.: Como já informado em outra postagem, a
obra em referência não possui numeração em suas páginas, motivo pelo qual
faz-se referência tão apenas ao número do poema transcrito – nº 68, no caso
presente.
J.A.R. – H.C.
Kabir
(1440-1518)
Poema nº 68
Ouço sussurrar sua
flauta,
E já não consigo me
conter.
Ainda não chegou a
primavera,
E as flores irrompem
dos botões,
Chamando as abelhas
ao festim.
O relâmpago risca o
céu,
O trovão estrondeia e
reverbera,
A chuva se traduz em
aguaceiro,
As ondas se elevam,
batem forte:
Deixo a casa em busca
do Senhor.
Onde existe ritmo
neste mundo,
Lá já percutiu meu
coração.
Onde ocultas
bandeiras esvoaçam,
Lá já sopraram meus
suspiros.
Estou morto. Todavia
sigo vivo.
O Despontar da Manhã no Lago ‘George’
(Jasper Francis
Cropsey: pintor norte-americano)
Referência:
KABIR (1440-1518). Kabir: cem poemas. Seleção e tradução ao inglês de R. Tagore.
Tradução, ensaios e notas de José Tadeu Arantes. São Paulo: Attar, 2013.
❁
Uma observação com respeito à paginação da obra de onde foram extraídos os poemas acima: verifiquei, com um certo atraso, que há numeração nas páginas do livro apenas nas partes que precede os poemas (até a página 26) e que os sucede (da página 131 até 135).
ResponderExcluirNesse sentido, pode-se obter a página onde inserto o aludido poema, a saber: Poema nº 68 - p. 96.
João A. Rodrigues