Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de agosto de 2017

Anna Akhmátova - Dedicatória

Numa imagem textual em que as mulheres, em especial, são despojadas de sua humanidade, não há como se manifestar alegria ou entusiasmo, pois toda interlocução somente por meio do sussurro se torna possível de exteriorização.

Era uma vida sem esperanças a que se vivia no degredo, relembra Akhmátova – que nas prisões de Leningrado (hoje, novamente São Petersburgo) esteve por dezessete meses –, durante os anos do expurgo instaurado pelo líder da NKDV (Polícia Secreta Soviética), Nikolai Yezhov.

Ali só se tinha notícias de entes queridos mortos, encarcerados ou exilados para a Sibéria. Em tributo às mulheres que conheceu durante aqueles anos de confinamento, a poetisa dedica este poema.

J.A.R. – H.C. 

Anna Akhmátova
(1889-1966)

Посвящение

Перед этим горем гнутся горы,
Не течет великая река,
Но крепки тюремные затворы,
А за нимикаторжные норы
И смертельная тоска.
Для кого-то веет ветер свежий,
Для кого-то нежится закат
Мы не знаем, мы повсюду те же,
Слышим лишь ключей постылый скрежет
Да шаги тяжелые солдат.
Подымались как к обедне ранней,
По столице одичалой шли,
Там встречались, мертвых бездыханней,
Солнце ниже, и Нева туманней,
А надежда все поет вдали.
Приговор... И сразу слезы хлынут,
Ото всех уже отделена,
Словно с болью жизнь из сердца вынут,
Словно грубо навзничь опрокинут,
Но идет... Шатается... Одна...
Где теперь невольные подруги
Двух моих осатанелых лет?
Что им чудится в сибирской вьюге,
Что мерещится им в лунном круге?
Им я шлю прощальный свой привет.

Paisagem Siberiana
(Vladimir Zhdanov: pintor russo)

Dedicatória

Diante dessa dor, as montanhas se inclinam
e o grande rio deixa de correr.
Mas os muros das prisões são poderosos
e, por trás deles, estão as “tocas dos condenados”
e a saudade mortal.
É para os outros que a brisa fresca sopra,
é para os outros que o pôr do sol se enternece –
mas nada sabemos disso: somos as que, por toda parte,
só ouvem o odioso ranger das chaves
e o passo pesado dos soldados.
Levantávamo-nos como para o culto da madrugada,
arrastávamo-nos por esta capital selvagem,
para nos encontrarmos lá, mais inertes do que os mortos,
o sol cada vez mais baixo, o Nevá mais nevoento,
enquanto a esperança cantava bem ao longe…
O veredicto… e as lágrimas de súbito brotam.
E ei-la separada do mundo inteiro
como se de seu coração a vida se arrancasse,
como se com um soco a derrubassem.
E, no entanto, ela ainda anda… cambaleando… sozinha…
Onde estão, agora, as companheiras de infortúnio
desses meus dois anos de terror?
O que estarão vendo, agora, na neblina siberiana?
A elas eu mando a minha última saudação.

Março de 1940

Referências:

Em Russo

Ахматова, Анна. Посвящение. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 mai. 2017.

Em Português

AKHMÁTOVA, Anna. Dedicatória. Tradução de Lauro Machado Coelho. In: __________. Anna Akhmátova: seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 90. (L&PM Pocket; v. 751)

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