Nesta variante de poesia cuja inflexão muito se parece a uma súplica, o
poeta lança mão de invulgares e exuberantes figurações da paisagem do
meio-oeste norte-americano, em cujo meio sente-se a ausência de Deus, para
demarcar uma espécie de epifania estética secular.
Wright mescla oração com desânimo em razão de sua ineficácia, louvação
com suspiros, maravilhamento com indiferença. E assim tanto revigora a prática
da invocação como deplora a sua morte inevitável. Ou ainda: dirigindo-se ao
divino, também se pergunta se ele terá se retirado deste mundo. Se assim ocorre,
o que mais seria a oração do que uma forma de expressão autodirigida?!
J.A.R. – H.C.
Charles Wright
(n. 1935)
Stone Canyon Nocturne
Ancient of Days, old
friend, no one believes you’ll come back.
No one believes in
his own life anymore.
The moon, like a dead
heart, cold and unstartable, hangs by a thread
At the earth’s edge,
Unfaithful at last,
splotching the ferns and the pink shrubs.
In the other world,
children undo the knots in their tally strings.
They sing songs, and
their fingers blear.
And here, where the
swan hums in his socket, where bloodroot
And belladonna insist
on our comforting,
Where the fox in the
canyon wall empties our hands, ecstatic for more,
Like a bead of clear
oil the Healer revolves through the night wind,
Part eye, part tear,
unwilling to recognize us.
Grand Canyon
(Thomas Moran: pintor
anglo-americano)
Noturno no Desfiladeiro de Pedra
Ó Eterno, velho
amigo, ninguém acredita que voltarás.
Ninguém mais acredita
em sua própria vida.
A lua, como um
coração morto, frio e inestimulável, pende por um fio
À borda da terra,
Infiel enfim,
manchando as samambaias e os arbustos rosados.
No outro mundo, as
crianças desfazem os nós em suas cordas de contar.
Elas entoam canções,
e seus dedos escurecem.
E aqui, onde o cisne arensa
em seu abrigo, onde a sanguinária
E a beladona
empenham-se em nos reconfortar, (*)
Onde a raposa no
paredão do desfiladeiro esvazia nossas mãos, em
êxtase por mais,
Como uma gota de óleo transparente o Curandeiro rodopia pelo
vento noturno,
Em parte olho, em parte lágrima, relutante em nos reconhecer.
Nota:
(*) A sanguinária é uma planta norte-americana da mesma família da papoula, que
tem flores brancas e rizomas subterrâneos carnosos, capazes de exalar seiva
vermelha quando cortados. Como a beladona,
outra planta medicinal, também possui efeitos sedativos.
Referência:
WRIGHT, Charles. Stone canyon nocturne.
In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage
book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books
(A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 392-393.
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