Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Cassiano Ricardo - As Metáforas

As metáforas, esse recurso da linguagem quase que inapelavelmente empregado pela maioria dos poetas, é o objeto do poema de Ricardo: reporta-se ele ao fato de que as palavras não são exatamente o que a realidade é, mas apenas sua frágil representação, interpretando-a ou apenas descrevendo-a, dentro de seus limites.

A verdade, por conseguinte, tem as suas balizas, ora mais bem demarcada, como nas ciências físicas – afinal, ninguém ousaria dizer que a tendência de uma newtoniana maçã é, literalmente, cair para cima! –, ora mais relativizadas, como nas ciências sociais. Afinal, há algo neste mundo mais indecifrável que o ser humano?! Por isso se pergunta o poeta: ele mesmo é o que é ou a “árvore de metáforas” que o tenta decodificar?!

J.A.R. – H.C.

Cassiano Ricardo
(1895-1974)

As Metáforas

Quisera ver a vida sem imagem. Nua.
Libertar-me dos símbolos. Não posso.
No instante de amargura sou um símbolo.
Quando me rio, sou apenas uma imagem.
Os símbolos, as aparências me governam.
Devo agora ter pássaros sobre mim.
Pássaros que estarão pousados tranquilamente
em meu corpo
ou em minhas mãos em flor, quando escrevo.

A realidade mesma não existe.
Pois se existisse nos excederia
os olhos e a imaginação
feitos pra vê-la falsa e imaginá-la perfeita.
Se os nossos olhos fossem diferentes
o mundo físico já não seria outra coisa?
Sou uma árvore cheia de metáforas
e assim – todo enfeitado de outras coisas
fiquei tão parecido com a verdade
que vá agora eu dizer que sou eu mesmo.

Em: “O Sangue das Horas” (1943)

Nas Docas
(Dmitri Danish: pintor ucraniano)

Referência:

RICARDO, Cassiano. As metáforas. In: __________. Vamos caçar papagaios: 1928-1940. São Paulo, SP: Companhia Editora Nacional, 1947. p. 160. (I - Poesias Completas)

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