As metáforas, esse recurso da linguagem quase que inapelavelmente
empregado pela maioria dos poetas, é o objeto do poema de Ricardo: reporta-se
ele ao fato de que as palavras não são exatamente o que a realidade é, mas
apenas sua frágil representação, interpretando-a ou apenas descrevendo-a,
dentro de seus limites.
A verdade, por conseguinte, tem as suas balizas, ora mais bem demarcada,
como nas ciências físicas – afinal, ninguém ousaria dizer que a tendência de
uma newtoniana maçã é, literalmente, cair para cima! –, ora mais relativizadas,
como nas ciências sociais. Afinal, há algo neste mundo mais indecifrável que o
ser humano?! Por isso se pergunta o poeta: ele mesmo é o que é ou a “árvore de
metáforas” que o tenta decodificar?!
J.A.R. – H.C.
Cassiano Ricardo
(1895-1974)
As Metáforas
Quisera ver a vida
sem imagem. Nua.
Libertar-me dos
símbolos. Não posso.
No instante de
amargura sou um símbolo.
Quando me rio, sou
apenas uma imagem.
Os símbolos, as
aparências me governam.
Devo agora ter
pássaros sobre mim.
Pássaros que estarão
pousados tranquilamente
em meu corpo
ou em minhas mãos em
flor, quando escrevo.
A realidade mesma não
existe.
Pois se existisse nos
excederia
os olhos e a
imaginação
feitos pra vê-la
falsa e imaginá-la perfeita.
Se os nossos olhos
fossem diferentes
o mundo físico já não
seria outra coisa?
Sou uma árvore cheia
de metáforas
e assim – todo
enfeitado de outras coisas
fiquei tão parecido
com a verdade
que vá agora eu dizer
que sou eu mesmo.
Em: “O Sangue das Horas” (1943)
Nas Docas
(Dmitri Danish:
pintor ucraniano)
Referência:
RICARDO, Cassiano. As metáforas. In:
__________. Vamos caçar papagaios: 1928-1940.
São Paulo, SP: Companhia Editora Nacional, 1947. p. 160. (I - Poesias
Completas)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário