Para tentar manter a sonoridade, as rimas, a métrica alexandrina e a
própria forma visual do original, o poeta Alberto de Oliveira vai ao máximo de
sua técnica para verter ao português o poema do francês Prudhomme.
Recorre, a meu ver, excessivamente a hipérbatos, ou melhor, inversões
sintáticas, para, com isso, buscar a rima perfeita, em detrimento da fluidez e
inteligibilidade do texto, sendo que, por vezes, fica a impressão – claro,
apenas a impressão – de que há algo equivocado na regência verbal.
Como exemplo, veja-se esta passagem: “Da neve os raros flocos brancos / Lembra
o fino frouxel que lhe amacia os flancos”. Uma leitura apressada levaria o
leitor a imaginar que onde se emprega “Lembra”, correto seria se empregar “Lembram”.
Mas qual nada! Os dois versos contêm hipérbatos, de tal forma que a leitura
direta de ambos seria: “O fino frouxel que lhe amacia os flancos lembra / os
raros flocos brancos da neve”. Afinal, não são os flocos brancos da neve que
lembram o frouxel da ave, mas o contrário!
J.A.R. – H.C.
Sully Prudhomme
(1839-1907)
Le Cygne
Sans bruit, sous le
miroir des lacs profonds et calmes,
Le cygne chasse
l’onde avec ses larges palmes,
Et glisse. Le duvet
de ses flancs est pareil
À des neiges d’avril
qui croulent au soleil;
Mais, ferme et d’un
blanc mat, vibrant sous le zéphire,
Sa grande aile
l’entraîne ainsi qu’un lent navire.
Il dresse son beau
col au-dessus des roseaux,
Le plonge, le promène
allongé sur les eaux,
Le courbe gracieux
comme un profil d’acanthe,
Et cache son bec noir
dans sa gorge éclatante.
Tantôt le long des
pins, séjour d’ombre et de paix,
Il serpente, et
laissant les herbages épais
Traîner derrière lui
comme une chevelure,
Il va d’une tardive
et languissante allure;
La grotte où le poète
écoute ce qu’il sent,
Et la source qui
pleure un éternel absent,
Lui plaisent: il y
rôde; une feuille de saule
En silence tombée
effleure son épaule;
Tantôt il pousse au
large, et, loin du bois obscur,
Superbe, gouvernant
du côté de l’azur,
Il choisit, pour
fêter sa blancheur qu’il admire,
La place éblouissante
où le soleil se mire.
Puis, quand les bords
de l’eau ne se distinguent plus,
À l’heure où toute
forme est un spectre confus,
Où l’horizon brunit,
rayé d’un long trait rouge,
Alors que pas un
jonc, pas un glaïeul ne bouge,
Que les rainettes
font dans l’air serein leur bruit
Et que la luciole au
clair de lune luit,
L’oiseau, dans le lac
sombre, où sous lui se reflète
La splendeur d’une
nuit lactée et violette,
Comme un vase
d’argent parmi des diamants,
Dort, la tête sous
l’aile, entre deux firmaments.
En: “Solitudes” (1869)
O Lago dos Cisnes
(Alexander Koester:
pintor alemão)
O Cisne
Calmo, do espelho
azul d’água profunda e calma
À face errando, os
pés, lânguido, o cisne espalma
E desliza. Da neve os
raros flocos brancos
Lembra o fino frouxel
que lhe amacia os flancos;
Línea vela parece a
asa que encurva e brande,
Esbelto, e ora
retrai, ora sacode e expande;
Entre as ninféias
indo, o alvo pescoço apruma,
Colhe-o após, some-o
n’água, estende-o sobre a espuma,
Curva-o mole e gracioso,
e ânfora antiga imita.
Dos pinheiros ao
longo, onde o silêncio habita
E a paz e a sombra,
vai; rastejando na esteira,
Que atrás fica,
semelha intensa cabeleira
A basta ervagem fresca
a palpitar. A gruta,
Que a alma atrai do
poeta e a voz da tarde escuta,
Praz-lhe e a fonte
que flui, que regurgita e bolha.
Vendo-as, lento se
arrasta. Às vezes uma folha
Leve cai do salgueiro
e, em sua queda, leve,
Roça-lhe, muda
sombra, as plumas cor de neve.
Caminha agora ao
largo; o implexo da ramagem
Deixa e a parte
procura onde o esplendor selvagem
Diz melhor com o brilhar
d’água anilada e pura.
Do lago é a parte
mais azul que ele procura;
E lá vai... a cismar
sobre as ondas serenas,
Entrega à luz do sol
a brancura das penas.
Depois, quando, em
redor, se confundem, caindo
A noite, do amplo
lago as margens, e no infindo
Horizonte há somente
um ponto avermelhado;
Quando tudo quedou,
quando no ilimitado
Do céu paira da lua o
globo enorme e albente;
Quando acende o
lampiro a luz fosforescente,
E nem o menor sopro o
débil junco embala:
O cisne, sob o olhar
dessa noite de opala,
Em seu lago sombrio,
enfim, descansa; e, acaso
Visto de alguém,
assim, lembra de prata um vaso...
Põe sob a asa a
cabeça, os olhos sonolentos
Fecha, e dorme,
feliz, entre dois firmamentos.
Referências:
Em Francês:
PRUDHOMME, Sully. Le cygne. In:
__________. Poésies: 1866-1872.
Paris, FR: Alphonse Lemere (Éditeur), 1872. p. 126-127.
Em Português:
PRUDHOMME, Sully. O Cisne. Tradução de
Alberto de Oliveira. In: MAGALHÃES JR., Raimundo (Ed.). Antologia de poetas franceses. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
p. 395-396.
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