Num poema bastante similar a “Para
fazer um poema dadaísta”, de Tristan Tzara, naquilo que tem de
procedimental, embora a tratar as coisas diretamente na cozinha – e não na sala
de costura! –, Queneau, um artista de vanguarda, faz-nos crer que não haveria
mais motivo para se escrever algo, enquanto objetivo último.
Mas Queneau não estava só! Veja-se, por
exemplo, o que diz o escritor argentino César Aira, no ensaio intitulado “A
Nova Escritura”, constante em seu “Pequeno Manual de Procedimentos”:
Neste sentido,
entendidas como articuladoras de procedimentos, as vanguardas permaneceram
vigentes, carregando o século com mapas do tesouro que aguardam serem
explorados. Construtivismo, escritura automática, ready-made, dodecafonismo, cut-up,
acaso, indeterminação. Os grandes artistas do século XX não são os que fizeram
obra, mas aqueles que inventaram procedimentos para que a obra se fizesse
sozinha, ou não se fizesse. Para que precisamos de obras? Quem quer outro
romance, outro quadro, outra sinfonia? Como se já não existissem o bastante!
(AIRA, 2007, p. 13).
J.A.R. – H.C.
Raymond Queneau
(1903-1976)
Pour un Art Poétique
(Suite)
Prenez un mot prenez en deux
faites les cuire comme des œufs
prenez un petit bout de sens
puis un grand morceau d’innocence
faites chauffer à
petit feu
au petit feu de la
technique
versez la sauce
énigmatique
saupoudrez de
quelques étoiles
poivrez et puis
mettez les voiles
où voulez-vous en
venir?
À écrire
Vraiment? À écrire?
Moça Tâmil Cozinhando
(S. Elayaraja: pintor
indiano)
Por uma Arte Poética
(Suíte)
Tome uma palavra e
leve duas
faça-as cozer como se
fossem ovos
tome uma porção
modesta de sentido
depois uma grande
fatia de inocência
aqueça tudo em fogo brando
sob o fogo brando da
técnica
despeje o molho
enigmático
polvilhe com algumas
estrelas
pimenta e logo após
as velas
onde você espera
chegar?
A escrever?
Sério? A escrever?
Referências:
AIRA, César. A nova escritura. In:
__________. Pequeno manual de
procedimentos. Pesquisa dos originais e tradução de Eduard Marquardt.
Organização de Marco Maschio Chaga. Curitiba, PR: Arte & Letra, 2007. p. 11-18.
QUENEAU, Raymond. Pour un art poétique.
In: __________. Le chien à la mandoline.
Œuvres complètes, tome 1. Paris, FR: Gallimard, 1989. p. 270. (“Bibliothèque de
la Pléiade”)
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