Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Raymond Queneau - Por uma Arte Poética

Num poema bastante similar a “Para fazer um poema dadaísta”, de Tristan Tzara, naquilo que tem de procedimental, embora a tratar as coisas diretamente na cozinha – e não na sala de costura! –, Queneau, um artista de vanguarda, faz-nos crer que não haveria mais motivo para se escrever algo, enquanto objetivo último.

Mas Queneau não estava só! Veja-se, por exemplo, o que diz o escritor argentino César Aira, no ensaio intitulado “A Nova Escritura”, constante em seu “Pequeno Manual de Procedimentos”:

Neste sentido, entendidas como articuladoras de procedimentos, as vanguardas permaneceram vigentes, carregando o século com mapas do tesouro que aguardam serem explorados. Construtivismo, escritura automática, ready-made, dodecafonismo, cut-up, acaso, indeterminação. Os grandes artistas do século XX não são os que fizeram obra, mas aqueles que inventaram procedimentos para que a obra se fizesse sozinha, ou não se fizesse. Para que precisamos de obras? Quem quer outro romance, outro quadro, outra sinfonia? Como se já não existissem o bastante! (AIRA, 2007, p. 13).

J.A.R. – H.C.

Raymond Queneau
(1903-1976)

Pour un Art Poétique
(Suite)

Prenez un mot prenez en deux
faites les cuire comme des œufs
prenez un petit bout de sens
puis un grand morceau d’innocence
faites chauffer à petit feu
au petit feu de la technique
versez la sauce énigmatique
saupoudrez de quelques étoiles
poivrez et puis mettez les voiles

où voulez-vous en venir?
À écrire
Vraiment? À écrire?

Moça Tâmil Cozinhando
(S. Elayaraja: pintor indiano)

Por uma Arte Poética
(Suíte)

Tome uma palavra e leve duas
faça-as cozer como se fossem ovos
tome uma porção modesta de sentido
depois uma grande fatia de inocência
aqueça tudo em fogo brando
sob o fogo brando da técnica
despeje o molho enigmático
polvilhe com algumas estrelas
pimenta e logo após as velas

onde você espera chegar?
A escrever?
Sério? A escrever?

Referências:

AIRA, César. A nova escritura. In: __________. Pequeno manual de procedimentos. Pesquisa dos originais e tradução de Eduard Marquardt. Organização de Marco Maschio Chaga. Curitiba, PR: Arte & Letra, 2007. p. 11-18.

QUENEAU, Raymond. Pour un art poétique. In: __________. Le chien à la mandoline. Œuvres complètes, tome 1. Paris, FR: Gallimard, 1989. p. 270. (“Bibliothèque de la Pléiade”)

Nenhum comentário:

Postar um comentário