Em “Morto-vivo”, tem-se um tipo de poesia com pronunciado componente
teorizador, a partir de uma expressão que, uma vez escrita, torna explícita a
junção de duas palavras com conteúdo antitético, distantes, portanto, no significado.
Como palavra composta que é, somente se depreende a sua noção quando ela
se desamarra do branco da página, para se materializar como um “zumbi”, ou
mesmo muitos “zumbis”, a habitar o universo incomensurável dos livros!
J.A.R. – H.C.
Avaliação da Obra do Autor
por Manuel da Costa Pinto (2006, p.
256-257)
Com uma trajetória
que começa com a Tropicália – movimento mais conhecido no âmbito da música
popular (...) –, o autor de Zil
(1977) também manteve afinidades profundas com as ideias dos concretos,
produzindo poesia visual e adotando uma dicção mais experimental, marcada pela
dissolução da sintaxe e pela montagem de palavras. Pode-se dizer, porém, que é
com Margem de uma Onda que o escritor
baiano (...) consolida uma voz própria, na qual explora a tensão entre as
palavras e as coisas, entre o mundo que se oferece à visão e sua apreensão por
um olhar que lhe impõe uma medida e uma disciplina. É como se, após conquistar
a autonomia da palavra como um puro objeto lançado no espaço-tempo (segundo a
lição dos concretos), o poeta se voltasse para realidades empíricas,
extratextuais, identificando ali uma espécie de poética das coisas. (...)
Principais Obras: Zil (1977), Um Outro (1990) – reunidos no volume Crescente (Duas Cidades, 1990) –, Margem de Uma Onda (Editora 34, 1997), Histórias com Poesia, Alguns Bichos & Cia. (Editora 34, 2000).
Duda Machado
(n. 1944)
Morto-vivo
Há na expressão
morto-vivo
uma certa
maleabilidade
a desdobrar-se até o
predomínio
exíguo de um termo
sobre o outro,
ou uma distância
qualquer entre
eles, a partir de sua
ligação.
Dá para imaginar
também,
leitor, esta
expressão no centro
de uma página; avulsa
sobre
o branco. E, de
dentro para
fora da página,
alguém
a percorrer aquela
distância
qualquer. Ou mesmo
muitos.
Aí seria preciso
páginas
e mais páginas. Ou
livros
e mais livros.
Em: Revista “Colóquio Letras”,
nº 157/158 (jul-dez/2000)
Terraço de Hotel
(Jules Pages: pintor
norte-americano)
Referência:
MACHADO, Duda. Morto-vivo. In: PINTO,
Manuel da Costa (Seleção e organização). Antologia
comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha,
2006. p. 254.
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