Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Robert Hayden - Soledad

Poesia e drogas é combinação que muitas vezes aparece em criações nas plagas literárias, como no caso do presente poema do poeta, ensaísta e educador negro norte-americano Robert Hayden, a falar da experiência de um amigo.

As drogas têm o poder de transportá-lo a um outro mundo, de imaginária completude e atemporalidade, ao som de Miles Davis e Billie Holiday: Hayden, para tentar expressar o inenarrável dessa arriscada prática, emprega conjunções de palavras, algumas em ações justapostas, outras em traslados engenhosos de fatos da natureza, a dificultar sobremaneira as versões do poema a outras idiomas. Penso, por conseguinte, que terei sido temerário nesse meu intento!

J.A.R. – H.C.

Robert Hayden
(1913-1980)

Soledad

(And I, I am no longer of that world) (1)

Naked, he lies in the blinded room
chainsmoking, cradled by drugs, by jazz
as never by any lover’s cradling flesh.

Miles Davis coolly (2) blows for him:
O pena negra, sensual Flamenco blues;
the red clay foxfire (3) voice of Lady Day (4)

(lady of the pure black magnolias)
sobsings her sorrow and loss and fare you well,
dryweeps the pain his treacherous jailers

have released him from for awhile.
His fears and his unfinished self
await him down in the anywhere streets.

He hides on the dark side of the moon, (5)
takes refuge in a stained-glass cell,
flies to a clockless country of crystal.

Only the ghost of Lady Day knows where
he is. Only the music. And he swings
oh swings: beyond complete immortal now.

Foxfire Fungus

Soledad

(E eu, já não sou deste mundo)

Despido, ele se encontra no quarto com persianas,
a fumar cigarros em sequência, embalado pelas
drogas, pelo jazz,
como jamais estivera excitado pelo corpo de
qualquer amante.

Miles Davis sopra friamente para ele:
O pena negra, sensual blues Flamenco;
A voz greda carmim luminescente de Lady Day

(dama de puras magnólias negras)
canta a soluçar suas mágoas e perdas e espera que
você se saia bem,
e ele chora e enxuga a dor da qual os seus pérfidos
carcereiros

têm-no liberado por algum tempo.
Seus medos e seu ser incompleto
esperam-no ao longo das ruas de qualquer lugar.

Ele se esconde no lado escuro da lua,
busca refúgio numa célula de vidro colorido,
ruma para um país sem relógio de cristal.

Somente o espírito de Lady Day sabe onde
ele está. Somente a música. E ele rodopia
oh rodopia: para o outro lado, agora pleno
e imortal.

Notas:

(1) Esta epígrafe, aparentemente, não constava no original de Robert Hayden, pelo que se pode depreender desta passagem de entrevista com o autor. Em espanhol, o título do poema (“Soledad”, “Solidão” em português) denota o caráter individual, solitário, insular da experiência com drogas.

(2) O poeta faz referência ao estilo do jazz tocado pelo trompetista, também negro e norte-americano, Miles Davis, conhecido como “Cool Jazz”, caracterizado por melodia mais lenta e algo melancólica.

(3) “Foxfire”, em seu exato sentido, diz respeito a bioluminescência gerada por algumas espécies de fungos, presente em madeiras em decomposição; o termo é intercambiável com “fairy fire”, que em português seria traduzível para algo como “fogo de fadas”.

(4) Trata-se certamente da cantora negra norte-americana Billie Holiday, famosa no domínio do jazz, do blues e mesmo do pop.

(5) Não há como não se associar esta passagem com o título “The Dark Side of de Moon” (1973), famoso álbum produzido pela banda de rock experimental inglesa “Pink Floyd”, cuja trajetória também aponta para o consumo de drogas psicotrópicas por parte de alguns componentes.

Referência:

HAYDEN, Robert. Soledad. In: O’BRIEN, Geoffrey (Ed.). Foreword by Billy Collins. Bartlett’s poems for occasions. The human condition: solitude. New York; Boston: Little, Brown and Company, 2004. p. 377-378.

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