Poesia e drogas é combinação que muitas vezes aparece em criações nas plagas literárias, como no caso do presente poema do poeta, ensaísta
e educador negro norte-americano Robert Hayden, a falar da experiência de um
amigo.
As drogas têm o poder de transportá-lo a um outro mundo, de imaginária
completude e atemporalidade, ao som de Miles Davis e Billie Holiday: Hayden,
para tentar expressar o inenarrável dessa arriscada prática, emprega conjunções
de palavras, algumas em ações justapostas, outras em traslados engenhosos de
fatos da natureza, a dificultar sobremaneira as versões do poema a outras
idiomas. Penso, por conseguinte, que terei sido temerário nesse meu intento!
J.A.R. – H.C.
Robert Hayden
(1913-1980)
Soledad
(And I, I am no
longer of that world) (1)
Naked, he lies in the blinded room
chainsmoking, cradled by drugs, by jazz
as never by any lover’s cradling flesh.
Miles Davis coolly (2) blows for him:
O pena negra, sensual Flamenco blues;
the red clay foxfire (3) voice of Lady
Day (4)
(lady of the pure black magnolias)
sobsings her sorrow and loss and fare you well,
dryweeps the pain his treacherous jailers
have released him from for awhile.
His fears and his unfinished self
await him down in the anywhere streets.
He hides on the dark side of the moon, (5)
takes refuge in a stained-glass cell,
flies to a clockless country of crystal.
Only the ghost of Lady Day knows where
he is. Only the music. And he swings
oh swings: beyond complete immortal now.
Foxfire Fungus
Soledad
(E eu, já não sou deste mundo)
Despido, ele se
encontra no quarto com persianas,
a fumar cigarros em
sequência, embalado pelas
drogas, pelo jazz,
como jamais estivera
excitado pelo corpo de
qualquer amante.
Miles Davis sopra friamente
para ele:
O pena negra, sensual blues Flamenco;
A voz greda carmim luminescente
de Lady Day
(dama de puras
magnólias negras)
canta a soluçar suas mágoas
e perdas e espera que
você se saia bem,
e ele chora e enxuga
a dor da qual os seus pérfidos
carcereiros
têm-no liberado por
algum tempo.
Seus medos e seu ser
incompleto
esperam-no ao longo das ruas de qualquer lugar.
Ele se esconde no
lado escuro da lua,
busca refúgio numa
célula de vidro colorido,
ruma para um país sem
relógio de cristal.
Somente o espírito de
Lady Day sabe onde
ele está. Somente a
música. E ele rodopia
oh rodopia: para o
outro lado, agora pleno
e imortal.
Notas:
(1) Esta epígrafe, aparentemente, não
constava no original de Robert Hayden, pelo que se pode depreender desta
passagem de entrevista com o autor. Em espanhol, o título do poema (“Soledad”,
“Solidão” em português) denota o caráter individual, solitário, insular da
experiência com drogas.
(2) O poeta faz referência ao estilo do jazz tocado pelo trompetista, também negro e norte-americano, Miles Davis, conhecido como “Cool Jazz”, caracterizado por melodia mais lenta e algo melancólica.
(3) “Foxfire”, em seu exato sentido, diz respeito a bioluminescência gerada por algumas espécies de fungos, presente em madeiras em decomposição; o termo é intercambiável com “fairy fire”, que em português seria traduzível para algo como “fogo de fadas”.
(4) Trata-se certamente da cantora negra
norte-americana Billie Holiday, famosa no domínio do jazz, do blues e mesmo do
pop.
(5) Não há como não se associar esta
passagem com o título “The Dark Side of de Moon”
(1973), famoso álbum produzido pela banda de rock experimental inglesa “Pink
Floyd”, cuja trajetória também aponta para o consumo de drogas psicotrópicas
por parte de alguns componentes.
Referência:
HAYDEN, Robert. Soledad. In: O’BRIEN, Geoffrey (Ed.). Foreword by Billy
Collins. Bartlett’s poems for occasions.
The human condition: solitude. New York; Boston: Little, Brown and Company,
2004. p. 377-378.
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