Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Herberto Helder - O Poema

Esta é a primeira parte de um conjunto de sete seções, publicadas inicialmente por H. H. em “A Colher na Boca”, de 1961, sob a forma como editada, em 1991, pela Assírio & Alvim, na antologia em referência.

Trata-se de um poema no qual se descreve o próprio feito da criação poética, enquanto mister comissário de sua origem: passa-se do silêncio à palavra escrita, e desta à eternidade, modulando a linguagem sob a qual a realidade que nos cerca passa a ser apreendida.

J.A.R. – H.C.

Herberto Helder
(1930-2015)

O Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
– a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
e a miséria dos minutos,
e a força sustida das coisas,
e a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Composição VII
(Wassily Kandinsky: artista russo)

Referência:

HELDER, Herberto. O poema. In: __________. Poesia toda: 1953-1980. Antologia. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1991. p. 40-41.

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