Esta é a primeira parte de um conjunto de sete seções, publicadas
inicialmente por H. H. em “A Colher na Boca”, de 1961, sob a forma como editada,
em 1991, pela Assírio & Alvim, na antologia em referência.
Trata-se de um poema no qual se descreve o próprio feito da criação
poética, enquanto mister comissário de sua origem: passa-se do silêncio à
palavra escrita, e desta à eternidade, modulando a linguagem sob a qual a
realidade que nos cerca passa a ser apreendida.
J.A.R. – H.C.
Herberto Helder
(1930-2015)
O Poema
Um poema cresce
inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras,
só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue
pelos canais do ser.
Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de
onde nascem
as raízes minúsculas
do sol.
Fora, os corpos
genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz
exterior das coisas,
as folhas dormindo o
silêncio,
– a hora teatral da
posse.
E o poema cresce
tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder
destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a
face amorfa das paredes,
e a miséria dos
minutos,
e a força sustida das
coisas,
e a redonda e livre
harmonia do mundo.
– Em baixo o
instrumento perplexo ignora
a espinha do
mistério.
– E o poema faz-se
contra o tempo e a carne.
Composição VII
(Wassily Kandinsky:
artista russo)
Referência:
HELDER, Herberto. O poema. In: __________.
Poesia toda: 1953-1980. Antologia.
Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1991. p. 40-41.
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