A Europa, centro histórico-cultural do mundo ocidental por longo tempo,
é o tema deste plástico poema do jurisconsulto, diplomata, político e, é claro,
poeta sergipano Gilberto Amado, cuja epígrafe, por si mesma, já reflete um
estado de saudades gerado pelo lastro e ubiquidade de suas tradições.
Nele se veem referências ao recortado espaço geográfico, a nomes
marcantes de suas artes – Leonardo e Shakespeare, of course! –, aos acidentes
das filosofias geradas por suas mentes prodigiosas... Mas também à loucura de
todo sangue derramado por suas usinas de morte.
J.A.R. – H.C.
Gilberto Amado
(1887-1969)
Europa
Je regrette
l’Europe aux anciens parapets. (*)
Rimbaud (“Le
Bateau Ivre”)
Da planura das almas
leves
Das aventuras
externas, seus movimentos espontâneos,
seus apetites
facilmente saciáveis,
Sonho contigo, Europa
côncava, cheia de conteúdo.
Âmago, núcleo, polpa,
substância,
Europa estuante de
prodígios,
Bazar dos brinquedos
do espírito,
Mina dos diamantes do
gênio,
Hospital dos
agonizantes imortais,
Fonte borbulhante de
ânsias comprimidas
Do desejo voraz!
Sonho contigo,
coração das sístoles imensas,
Descobertas,
Leonardo, Shakespeare,
Penso em ti – Europa
eriçada de problemas,
Europa acidentada de
filosofias,
Europa labiríntica de
abismos e de enigmas,
Europa acumulada de
debates e de lutas.
Sonho contigo, ó
criadora, ó tentadora, ó corruptora,
Ó aprofundadora
Da planura das almas
leves!
Quero aspirar de novo
o teu olor de fundo,
O teu relento longo
de subterrâneo,
O teu hálito escuro
de torrão pisado,
E quero ver coruscar
nos meus cabelos
A tua luz de sangue
jorrando das usinas de morte
E concentrada na
lanterna vermelha
Da tua miséria
humana.
Clio - Musa da História
(Pierre Mignard:
pintor francês)
Nota:
(*) Esta epígrafe, tomada à obra “Le
Bateau Ivre” (“O Barco Bêbado”), de Arthur Rimbaud, pode ser vertida ao português
como: “Sinto falta da Europa com os seus parapeitos antigos”.
Referência:
AMADO, Gilberto. Europa. In:
__________. Seleta de Gilberto Amado.
Organização, estudo e notas de Homero Senna. Rio de Janeiro (RJ), José Olympio;
Brasília (DF), Instituto Nacional do Livro; 1974. p. 128.
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