Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Laurindo Rabello - O que são meus versos

O médico, professor e poeta carioca Laurindo José da Silva Rabello procura definir o que sejam os versos que concebe: às proposições que formula nas estrofes preambulares do poema abaixo, de matiz preponderantemente romântico, nega identidade ante a condição de vate...

Segundo Rabello, os versos idealizados não constituem autêntica trova, senão que refletem apenas ais sentidos, dores involuntariamente exaladas d’alma, fel vertido a golfadas pelo coração, nuvens que toldam o horizonte, anéis da cadeia e veneno corrosivo! São, em suma, genuíno amálgama da poesia plasmada pelas lentes da subjetividade. Mas poesia, de todo modo, bela e expressiva, muito à sua maneira!

J.A.R. – H.C.

Laurindo Rabello
(1826-1864)

O que são meus versos

Se é vate quem acesa a fantasia
Tem de divina luz na chama eterna;
Se é vate quem do mundo o movimento
C’o movimento das canções governa;

Se é vate quem tem n’alma sempre abertas
Doces, límpidas fontes de ternura,
Veladas por amor, onde se miram
As faces da querida formosura;

Se é vate quem dos povos, quando fala,
As paixões vivifica, excita o pasmo,
E da glória recebe sobre a arena
As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo;
  
Eu triste, cujo fraco pensamento
Do desgosto gelou fatal quebranto;
Que, de tanto gemer desfalecido,
Nem sequer movo os ecos com meu canto;

Eu triste, que só tenho abertas n’alma
Envenenadas fontes d’agonia,
Malditas por amor, a quem nem sombra
De amiga formosura o céu confia;

Eu triste, que, dos homens desprezado,
Só entregue a meu mal, quase em delírio,
Ator no palco estreito da desgraça,
Só espero a coroa do martírio;

Vate não sou, mortais; bem o conheço;
Meus versos, pela dor só inspirados, –
Nem são versos – menti – são ais sentidos,
Às vezes, sem querer, d’alma exalados;

São fel, que o coração verte em golfadas
Por contínuas angústias comprimido;
São pedaços das nuvens, que m’encobrem
Do horizonte da vida o sol querido;

São anéis da cadeia, qu’arrojou-me
Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;
São gotas do veneno corrosivo,
Que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,
Do caminho que levam descuidada,
Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas
Solta a esmo no ar planta mirrada.

Lucrécia como Personificação da Poesia
(Salvator Rosa: pintor italiano)

Referência:

RABELLO, Laurindo José da Silva. O que são meus versos. In: __________. Poesias. Colecionadas pelo Bacharel Eduardo de Sá Pereira de Castro e por ele oferecidas a S. M. o Imperador. A.C.A.S. Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & Comp., 1867. p. 1-2.

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