O médico, professor e poeta carioca Laurindo José da Silva Rabello
procura definir o que sejam os versos que concebe: às proposições que formula
nas estrofes preambulares do poema abaixo, de matiz preponderantemente
romântico, nega identidade ante a condição de vate...
Segundo Rabello, os versos idealizados não constituem autêntica trova,
senão que refletem apenas ais sentidos, dores involuntariamente exaladas d’alma, fel vertido a golfadas pelo coração, nuvens que toldam o
horizonte, anéis da cadeia e veneno corrosivo! São, em suma, genuíno amálgama
da poesia plasmada pelas lentes da subjetividade. Mas poesia, de todo modo, bela
e expressiva, muito à sua maneira!
J.A.R. – H.C.
Laurindo Rabello
(1826-1864)
O que são meus versos
Se é vate quem acesa
a fantasia
Tem de divina luz na
chama eterna;
Se é vate quem do
mundo o movimento
C’o movimento das
canções governa;
Se é vate quem tem
n’alma sempre abertas
Doces, límpidas
fontes de ternura,
Veladas por amor,
onde se miram
As faces da querida
formosura;
Se é vate quem dos
povos, quando fala,
As paixões vivifica,
excita o pasmo,
E da glória recebe
sobre a arena
As palmas, que lhe
of’rece o entusiasmo;
Eu triste, cujo fraco
pensamento
Do desgosto gelou
fatal quebranto;
Que, de tanto gemer
desfalecido,
Nem sequer movo os
ecos com meu canto;
Eu triste, que só
tenho abertas n’alma
Envenenadas fontes
d’agonia,
Malditas por amor, a
quem nem sombra
De amiga formosura o
céu confia;
Eu triste, que, dos
homens desprezado,
Só entregue a meu
mal, quase em delírio,
Ator no palco
estreito da desgraça,
Só espero a coroa do
martírio;
Vate não sou,
mortais; bem o conheço;
Meus versos, pela dor
só inspirados, –
Nem são versos –
menti – são ais sentidos,
Às vezes, sem querer,
d’alma exalados;
São fel, que o
coração verte em golfadas
Por contínuas
angústias comprimido;
São pedaços das
nuvens, que m’encobrem
Do horizonte da vida
o sol querido;
São anéis da cadeia,
qu’arrojou-me
Aos pulsos a
desgraça, ímpia, sanhuda;
São gotas do veneno
corrosivo,
Que em pranto pelos
olhos me transuda.
Seca de fé, minha
alma os lança ao mundo,
Do caminho que levam
descuidada,
Qual, ludíbrio do
vento, as secas folhas
Solta a esmo no ar
planta mirrada.
Lucrécia como Personificação da Poesia
(Salvator Rosa:
pintor italiano)
Referência:
RABELLO, Laurindo José da Silva. O que
são meus versos. In: __________. Poesias.
Colecionadas pelo Bacharel Eduardo de Sá Pereira de Castro e por ele oferecidas
a S. M. o Imperador. A.C.A.S. Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & Comp.,
1867. p. 1-2.
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