Nada como a projeção de um minuto com matizes apocalípticos, o zero da
eternidade, fruindo de uma espécie de sonho de repugnância e morte! Ali, em
meio à tecnocracia desumanizada, emerge uma crítica contra a guerra, a
decadência urbana e a injustiça social.
Para o leitor de primeira mão, a poesia de Shapiro revela estridência e
iconoclastia, talvez como reação às cicatrizes que em seu espírito remanesceram
depois de sua presença na 2GM. Fato é que a audiência reage a tal estado de
coisas com uma tensão antecipatória pelo que há de vir.
J.A.R. – H.C.
Karl Shapiro
(1913-2000)
The Minute
The office building treads the marble dark,
The mother-clock with wide and golden dial
Suffers and glows. Now is the hour of birth
Of the tremulous egg. Now is the time of correction.
O midnight, zero of eternity,
Soon on a million bureaus of the city
Will lie the new-born minute.
The new-born minute on the bureau lies,
Scratching the glass with infant kick, cutting
With diamond cry the crystal and expanse
Of timelessness. This pretty tick of death
Etches its name upon the air. I turn
Titanically in distant sleep, expelling
From my lungs the bitter gas of life.
The loathsome minute grows in length and strength,
Bending its spring to forge an iron hour
That rusts from link to link, the last one bright,
The late one dead. Between the shining works
Range the clean angels, studying that tick
Like a strange dirt, but will not pick it up
Nor move it gingerly out of harm’s way.
An angel is stabbed and is carried aloft howling,
For devils have gathered on a ruby jewel
Like red mites on a berry; others arrive
To tend the points with oil and smooth the heat.
See how their vicious faces, lit with sweat,
Worship the train of wheels; see how they pull
The tape-worm Time from nothing into thing.
I with my distant heart lie wide awake
Smiling at that Swiss-perfect engine room
Driven by tiny evils. Knowing no harm
Even of gongs that loom and move in towers
And hands as high as iron masts, I sleep,
At which sad sign the angels in a flock
Rise and sweep past me, spinning threads of fear.
Torre do Relógio: Rotemburgo (Alemanha)
(Roland Lee: artista
norte-americano)
O Minuto
O prédio do
escritório ensaia a marmórea treva,
O grande relógio, de
vasto mostrador dourado
Sofre e resplandece.
Eis a hora do parto
Do ovo trêmulo. Eis o
tempo de corrigir.
Ó meia-noite, zero do
eterno,
Não tarda, num milhão
de secretárias da cidade
Jazerá o minuto
recém-nascido.
O recém-nascido
minuto da secretária jaz,
Raspando o vidro com
pontapés infantis, cortando
A diamantinos gritos
o cristal e a dimensão
Da intemporalidade.
Este lindo tiquetaque da morte
Grava o seu nome no
ar. Volto-me
Titanicamente num
sono distante, expelindo
De meus pulmões o gás
amargo da vida.
O repugnante minuto
cresce em comprimento e força,
Curvando a mola para
forjar a hora férrea
Que, elo a elo,
enferruja, luminoso o atual,
O derradeiro, morto.
Entre as brilhantes máquinas
Arrumam-se anjos
limpos, estudando o tiquetaque
Como estranha
porcaria em que não pegam.
Nem a afastam
cautelosamente para uma inofensiva distância.
É apunhalado um anjo
e levado pelos ares uivando,
Que os diabos se
juntaram num rubi
Como gorgulhos num grão;
e chegam outros
Para olear as pontas,
reduzir o ardor.
Vede-lhes as faces
maldosas, de suor acesas,
Adorar o encadeado
das rodas; vede como puxam
A Tênia do Tempo
desde o nada até às cousas.
Eu, de coração
distante, jazo espertinado,
Sorrindo desse quarto
de mecânica perfeição suíça.
Que frágeis demônios
dirigem. Ignorante de males
Mesmo de gongues
dominadores em torres se movendo,
E mãos tão altas como
mastros de ferro, durmo,
Ao triste sinal do
que, os anjos em revoada
Se erguem e me
ultrapassam, fiando novelos de terra.
Referências:
Em Inglês
SHAPIRO, Karl. The minute. In: CECIL, David; TATE, Allen (Eds.). Modern verse in english: 1900-1950. New
York, NY: The Macmillan Company, 1958. p. 574-575.
Em Português
SHAPIRO, Karl. O Minuto. Tradução de Sérgio Milliet. In: MILLIET, Sérgio
(Seleção e notas). Obras-primas da
poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, ago.1957.
p. 434-435.
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