De um estado reflexivo sobre as funções da alma no presente, o poeta salta
a recordações das tardes de outros domingos, dias transformados em “claustro”,
quando então, prisioneiro, o autor punha-se a ler poemas nos parques.
E como domingo é domingo em qualquer parte, digo, com aquele ar
melancólico a nos assombrar a cada vez que o sol enceta a sua retirada, nele ancora
o pouso dos tristes e, com a noite, os sofrimentos se aclaram...
J.A.R. – H.C.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
Os domingos
Todas as funções da
alma estão perfeitas neste domingo.
O tempo inunda a
sala, os quadros, a fruteira.
Não há um crédito
desmedido de esperança
Nem a verdade dos
supremos desconsolos –
Simplesmente a tarde
transparente,
Os vidros fáceis das
horas preguiçosas,
Adolescência das
cores, preciosas andorinhas.
Na tarde – lembro –
uma árvore parada,
A alma caminhava para
os montes,
Onde o verde das
distâncias invencidas
Inventava o mistério
de morrer pela beleza.
Domingo – lembro –
era o instante das pausas,
O pouso dos tristes,
o porto do insofrido.
Na tarde, uma valsa;
na ponte, um trem de carga;
No mar, a desilusão
dos que longe se buscaram;
No declive da
encosta, onde a vista não vai,
Os laranjais de
infindáveis doçuras geométricas;
Na alma, os azuis dos
que se afastam,
O cristal intocado, a
rosa que destoa.
Dos meus domingos
sempre fiz um claustro.
As pétalas caíam no
dorso das campinas,
A noite aclarava os
sofrimentos,
As crianças nasciam,
os mortos se esqueciam mortos,
Os ásperos se
calavam, os suicidas se matavam.
Eu, prisioneiro, lia
poemas nos parques,
Procurando palavras
que espelhassem os domingos.
E uma esperança que
não tenho.
Em: “O Domingo Azul do Mar” (1958)
Manhã de Domingo em Tyrol
(Friedrich Wasmann:
pintor alemão)
Referência:
CAMPOS, Paulo Mendes. Os domingos. In:
__________. Poemas. Rio de Janeiro,
RJ: Civilização Brasileira, 1984. p. 73.
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