O mineiro Paulo Mendes Campos é mais conhecido entre nós pelas suas
crônicas, tanto mais que militou no jornalismo por longo tempo. De nossa parte,
lembramo-nos de sua contribuição para um dos volumes da série “Para Gostar de
Ler”, lá pelos idos dos 80.
Mas Campos também compôs belos poemas, como o que ora carreamos a este
espaço: “O Poeta no Bar”. O poeta descortina na expressão artística, qualquer
que seja a sua forma – pintura, música, teatro ou poema –, o veículo de
exteriorização de algo que calou fundo num espírito insondável.
J.A.R. – H.C.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
O Poeta no Bar
Que fazer de um
instrumento,
Violoncelo, fonte,
flauta,
A buscar um
sofrimento
Que se encontra além
da pauta?
Quando perdemos a
voz,
Fala de nós e por nós
O personagem sem medo
Cujas palavras de
olvido
Compõem o outro
sentido
Do segredo de um degredo.
Tudo que rói e
escalavra,
Dente de marfim do
mar,
Faca do vento a
passar,
Lembra a busca da
palavra.
Só conhecer a
ciência,
Mallarmaica
paciência,
Capaz de achar a
vogal
Que surde empós das
toantes,
Escandidas consoantes
De uma pausa musical.
Estas horas
perdoadas,
Perdidas de quem nos
ama,
São aflições
combinadas
Às pantomimas do
drama.
Um filamento de riso
Liga o inferno ao
paraíso.
Se a noite esconde as
estrelas,
Pode um palhaço
brilhante
Dar um salto tão
distante
Que seja digno de
vê-las.
Esse arlequim de
pintura
Vai surgir aqui,
apenas
Compare a sua figura
As minhas roupas
terrenas.
Vão surgir do
saltimbanco
Perfil, fronte, face
e flanco.
Vou sofrer por
artifício
O silêncio desta mesa
Que me exila na
clareza
De meu puro
sacrifício.
Recife em mar de
presságio,
Um poema não tem
porto,
Vaga que devolve o
morto
Às areias do
naufrágio.
Em: “O Domingo Azul do Mar” (1958)
Retrato de Jamie Sarbartes, o Poeta
(Pablo Picasso:
1881-1973)
Referência:
CAMPOS, Paulo Mendes. O poeta no bar.
In: __________. Os melhores poemas de
Paulo Mendes Campos. Seleção de Guilhermino Cesar. 2. ed. São Paulo:
Global, 1997. p. 45-46. (Os Melhores Poemas, n. 22)
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