Pelas palavras do jornalista e crítico Manuel da
Costa Pinto (2006, p. 368), na poesia de rastros justapostos de Micheliny, um
“gato de ébano” vai se depurando em “gato geométrico”, daí a “gato concreto”,
até ser reduzido à letra única do título.
Como num processo de ilações e corolários que,
se fosse no âmbito das ciências, caracterizar-se-ia como dedutivo, puro
silogismo, das premissas maiores às assertivas menores: um gato de ébano, um
bicho de carne. Elementares palavras, num processo contínuo de derivação.
J.A.R. – H.C.
Micheliny Verunschk
(Recife, PE: 1972)
G
Era um gato de ébano
estático e mudo:
um gato geométrico
talhando em silêncio
o seu salto mais duro.
Era um gato macio
se visto de perto,
um bicho de carne
ao olho certeiro,
arrepio de sombra
subindo nas pernas,
um lance no escuro,
um tiro no espelho.
O gato era um ato,
uma estátua viva,
uma lâmpada acesa
no umbigo de Alice.
Era um gato concreto
no meio da sala:
era uma palavra
afiando palavras.
Era a fome do gato
e sua pata à espreita,
veludo-armadilha:
uma única letra.
(De: “Geografia Íntima do Deserto”)
Referência:
VERUNSCHK, Micheliny. G. In: PINTO, Manuel da
Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia
brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 366.
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