Entremesclado com uma inacobertável mística cristã, a poesia do mineiro
Murilo Mendes por vezes tangencia ideias que nos acostumamos a frequentar nos
escritos do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin.
É o caso do poema a seguir, em que são visíveis os nexos que Mendes
formula entre as dimensões material e espiritual da realidade, entre a finitude
da matéria e a imortalidade do espírito.
É sobre esse mesmo mister que o conhecido pensador francês, também paleontólogo, se manifesta sobre a matéria, em seu “Hino à
Matéria”. Senão vejamos o seguinte excerto (CHARDIN, 2001, p. 51):
Bendita sejas, poderosa Matéria,
evolução irresistível, realidade sempre nascente, tu que fazes estourar em cada
momento nossos esquemas e nos obrigas a buscar a verdade cada vez mais longe.
Bendita sejas, universal Matéria,
duração sem limites, éter sem rebordos, tríplice abismo das estrelas, dos
átomos e das gerações, tu que desbordas e dissolves nossas estreitas medidas e
nos revelas as dimensões de Deus.
Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955)
Concludentemente: a matéria expressa cada um dos pensamentos divinos; e “sem
ela não há poesia”, afiança o poeta. “Por secula seculorum”!
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Poema Espiritual
Eu me sinto um
fragmento de Deus
Como sou um resto de
raiz
Um pouco de água dos
mares
O braço desgarrado de
uma constelação.
A matéria pensa por
ordem de Deus,
Transforma-se e
evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e
bela
É uma das formas
visíveis do invisível.
Cristo, dos filhos do
homem és o perfeito.
Na Igreja há pernas,
seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até
nos altares.
Há grandes forças de
matéria na terra, no mar e no ar
Que se entrelaçam e
se casam reproduzindo
Mil versões dos
pensamentos divinos.
A matéria é forte e
absoluta
Sem ela não há
poesia.
Referências:
CHARDIN, Pierre Teilhard de. Himno a la
materia. In: __________. Escritos
essenciales. Introducción y edición de Ursula King. Traducción al
castelhano por María del Carmen Blanco Moreno e Ramón Alfonso Díez Aragón. Maliaño,
ES: Sal Terrae, 2001. p. 51-52.
MENDES, Murilo. Poesia espiritual. In:
__________. Melhores poemas. Seleção
de Luciana Stegagno Picchio. São Paulo, SP: Global, 2000. p. 78. (‘Os Melhores
Poemas’, n. 32)
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