Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de maio de 2015

Wallace Stevens - Peter Quince ao Teclado (IV)

“Peter Quince ao Teclado” é um poema em quatro partes, extraído do primeiro livro de poesias do poeta norte-americano Wallace Stevens. A seção IV, que abaixo transcrevemos, faz alusão à história bíblica de Susana (Daniel 13), uma jovem e bela mulher ao banho, espionada por dois anciãos.

A passagem é bastante conhecida pela inflexão que promove sobre a ideia platônica de beleza. Em vez de afirmar que a beleza é uma forma perfeita que está para além do mundo palpável dos cinco sentidos, um conceito abstrato e imutável no espírito, Stevens afirma que “a beleza é momentânea na mente”.

Stevens, de fato, pretende unir a ideia de beleza a uma imagem que se fixa na mente, ainda que efêmera, transitória no corpo humano. Pode ela deteriorar, mas a mente é capaz de capturá-la em sua manifestação fenomênica e fazê-la perdurar no estado psíquico de quem a experimentou, por quanto tempo se prolongar a sua vida.

J.A.R. – H.C.

Wallace Stevens
(1879-1955)


IV

Beauty is momentary in the mind −
The fitful tracing of a portal;
But in the flesh it is immortal.
            
The body dies; the body’s beauty lives,
So evenings die, in their green going,
A wave, interminably flowing.
So gardens die, their meek breath scenting
The cowl of Winter, done repenting.
So maidens die, to the auroral
Celebration of a maiden’s choral.
           
Susanna’s music touched the bawdy strings
Of those white elders; but, escaping,
Left only Death’s ironic scrapings.
Now, in its immortality, it plays
On the clear viol of her memory,
And makes a constant sacrament of praise. 


Corpo e Alma
(Talantbek Chekirov: pintor quirguistanês)

Peter Quince ao Teclado

IV

A beleza na mente é momentânea –
O debuxar incerto de um portal;
Entretanto, na carne ela é imortal.

O corpo morre; vive a beleza do corpo.
Assim morrem as tardes, partem verdemente,
Uma vaga a fluir interminavelmente.
Assim morre o jardim, deixando seu alento
No capuz hibernal, sem arrependimento.
Assim morrem as virgens, vão-se na auroreal
Celebração de um coro virginal.

Tocou Susana com sua música as devassas
Cordas dos velhos brancos; mas, ao escapar,
Só deixou para a Morte o irônico arranhar.
E na imortalidade, agora, está a compor,
Tocando na viola clara da memória,
Um incessante sacramento de louvor.

Referência:

STEVENS, Wallace. Peter Quince at the clavier (IV) / Peter Quince ao teclado (IV). In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e Tradução). Poetas norte-americanos. Antologia bilíngue. Edição Comemorativa do Bicentenário da Independência dos Estados Unidos da América: 1776-1976. Rio de Janeiro, RJ: Lidador, 1974. p. 72.

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