“Peter Quince ao Teclado” é um poema em quatro partes, extraído do
primeiro livro de poesias do poeta norte-americano Wallace Stevens. A seção IV,
que abaixo transcrevemos, faz alusão à história bíblica de Susana (Daniel 13), uma jovem e bela mulher ao
banho, espionada por dois anciãos.
A passagem é bastante conhecida pela inflexão que promove sobre a ideia
platônica de beleza. Em vez de afirmar que a beleza é uma forma perfeita que
está para além do mundo palpável dos cinco sentidos, um conceito abstrato e
imutável no espírito, Stevens afirma que “a beleza é momentânea na mente”.
Stevens, de fato, pretende unir a ideia de beleza a uma imagem que se
fixa na mente, ainda que efêmera, transitória no corpo humano. Pode ela
deteriorar, mas a mente é capaz de capturá-la em sua manifestação fenomênica e
fazê-la perdurar no estado psíquico de quem a experimentou, por quanto tempo se
prolongar a sua vida.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
IV
Beauty is momentary in the mind −
The fitful tracing of a portal;
But in the flesh it is immortal.
The body dies; the body’s beauty lives,
So evenings die, in their green going,
A wave, interminably flowing.
So gardens die, their meek breath scenting
The cowl of Winter, done repenting.
So maidens die, to the auroral
Celebration of a maiden’s choral.
Susanna’s music touched the bawdy strings
Of those white elders; but, escaping,
Left only Death’s ironic scrapings.
Now, in its immortality, it plays
On the clear viol of her memory,
And makes a constant sacrament of praise.
Corpo e Alma
(Talantbek Chekirov: pintor quirguistanês)
Peter Quince ao Teclado
IV
A beleza na mente é
momentânea –
O debuxar incerto de
um portal;
Entretanto, na carne
ela é imortal.
O corpo morre; vive a
beleza do corpo.
Assim morrem as
tardes, partem verdemente,
Uma vaga a fluir
interminavelmente.
Assim morre o jardim,
deixando seu alento
No capuz hibernal,
sem arrependimento.
Assim morrem as
virgens, vão-se na auroreal
Celebração de um coro
virginal.
Tocou Susana com sua
música as devassas
Cordas dos velhos
brancos; mas, ao escapar,
Só deixou para a
Morte o irônico arranhar.
E na imortalidade,
agora, está a compor,
Tocando na viola
clara da memória,
Um incessante
sacramento de louvor.
Referência:
STEVENS, Wallace. Peter Quince at the
clavier (IV) / Peter Quince ao teclado (IV). In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e
Tradução). Poetas norte-americanos.
Antologia bilíngue. Edição Comemorativa do Bicentenário da Independência dos
Estados Unidos da América: 1776-1976. Rio de Janeiro, RJ: Lidador, 1974. p. 72.
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