Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de maio de 2015

Nicolas Boileau - A Boa e a Má Crítica

Já em fins do século XVII, o escritor e poeta francês Nicolas Boileau, denominado “O Legislador do Parnaso”, já preconizava algumas regras básicas sobre a prática da crítica.

Em sua obra “Art Poétique” (“A Arte Poética”), de 1674, Boileau desfia um rol de preceitos para o bom trato da língua e da crítica, de onde o tradutor brasileiro extraiu a seção abaixo, pertencente à parte final de seu “Canto I” (“Chant I”).

Reflitamos em sua passagem final: “Nosso século é fértil em néscios; (...) Um tolo sempre encontra um idiota maior para admirá-lo”. Será que mudamos muito?

A ausência de um espírito crítico mais aprimorado é que leva muitas pessoas a usufruir a produção em massa do sistema sem perceber o que a imprensa, seus editoriais e as editoras de um modo geral pretendem com as suas publicações. Nada surge sem propósito num sistema capitalista como o nosso e, no extremo, tudo é sopesado pelo lucro. Tal é o denominador comum de todos aqueles que apenas pretensamente são isentos!

J.A.R. – H.C.

Nicolas Boileau
(1636-1711)

A Boa e a Má Crítica

Da crítica temeis um parecer severo?
Pois fazei de vós mesmos um crítico sincero.
Lisonja só ao tolo é que pode enganar.
Amigos procurai, que saibam criticar
As obras que fazeis, sem lisonja ou malícia,
E de erros possam ser vigilante polícia.
Diante deles despi a arrogância de autor;
Ao crítico prezai, em vez do engrossador.
Quem parece aplaudir, às vezes escarnece,
E quem conselhos dá é quem mais nos merece.

De quem lisonjas faz se deve suspeitar,
Pois, tenha ou não razão, teima sempre em louvar:
Tudo é belo e divino, é a perfeição mais pura,
E está sempre a vibrar, de emoção, de ternura,
Ante um tropo qualquer, pobre e desvalioso.
Um juiz a valer jamais é impetuoso,
Nem amigo sincero é tão condescendente;
Sobre as faltas não faz silêncio complacente;
Não perdoa, tampouco, as nossas negligências,
Nem teme nos falar sem véus ou reticências...
Se o verso ó duro ou frouxo, ou se o sentido é quase
Impenetrável, dando ambiguidade à frase;
Se a própria construção tem defeito evidente,
Emendá-la é o que faz autor sério e prudente.
É assim que sempre fala o amigo verdadeiro...
Mas, às vezes, o autor, num impulso altaneiro,
A qualquer restrição afeta se ofender
E as coisas que escreveu se empenha em defender.
– “Nestes versos, direis, há falta de eloquência”.
– “Para estes, meu senhor, peço benevolência”,
Dirá logo o autor. – “Esta expressão é fria”.
Diz ele: “Mas que amor! E que ourivesaria!”
– “Não me agrada isto aqui”. – “Todo mundo gostou!”
Assim, o nosso esforço inteiro se baldou...
É bastante apontar-lhe um defeito, uma falha,
Para os vir defender a petulante gralha!
E vive, todavia, o bobo a propalar
Que a crítica ele estima e sabe respeitar...
Quer com uma alusão, tão mentirosa e vaga,
Encontrar quem lhe dê em louvores a paga...
Assim ele se vai, com sua pobre musa,
Em busca da plateia ingênua de que abusa,
Por vezes a depara – e assim um tolo autor
Em outro tolo tem o seu admirador...
Há tolos na província e tolos na cidade,
Há tolos pelo mundo em grande quantidade.
Em meio a cortesãos, pode um drama ordinário
Despertar até mesmo um zelo partidário,
Desta razão final ninguém há que me tire:
Jamais a um parvo falta um parvo que o admiro...

O Leitor
Claude Monet
(Pintor francês: 1840-1926)

Referência:

BOILEAU, Nicolas. A boa e a má crítica. Tradução de R. Magalhães Júnior In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p. 58-60.

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