Já em fins do século XVII, o escritor e poeta francês Nicolas Boileau, denominado
“O Legislador do Parnaso”, já preconizava algumas regras básicas sobre a prática
da crítica.
Em sua obra “Art Poétique” (“A Arte Poética”), de 1674, Boileau desfia
um rol de preceitos para o bom trato da língua e da crítica, de onde o tradutor
brasileiro extraiu a seção abaixo, pertencente à parte final de seu “Canto
I” (“Chant I”).
Reflitamos em sua passagem final: “Nosso século é fértil em néscios;
(...) Um tolo sempre encontra um idiota maior para admirá-lo”. Será que mudamos
muito?
A ausência de um espírito crítico mais aprimorado é que leva muitas pessoas
a usufruir a produção em massa do sistema sem perceber o que a imprensa, seus
editoriais e as editoras de um modo geral pretendem com as suas publicações.
Nada surge sem propósito num sistema capitalista como o nosso e, no extremo,
tudo é sopesado pelo lucro. Tal é o denominador comum de todos aqueles que apenas
pretensamente são isentos!
J.A.R. – H.C.
Nicolas Boileau
(1636-1711)
A Boa e a Má Crítica
Da crítica
temeis um parecer severo?
Pois fazei de
vós mesmos um crítico sincero.
Lisonja só ao
tolo é que pode enganar.
Amigos
procurai, que saibam criticar
As obras que
fazeis, sem lisonja ou malícia,
E de erros
possam ser vigilante polícia.
Diante deles
despi a arrogância de autor;
Ao crítico prezai,
em vez do engrossador.
Quem parece
aplaudir, às vezes escarnece,
E quem conselhos
dá é quem mais nos merece.
De quem
lisonjas faz se deve suspeitar,
Pois, tenha ou não
razão, teima sempre em louvar:
Tudo é belo e
divino, é a perfeição mais pura,
E está sempre a
vibrar, de emoção, de ternura,
Ante um tropo
qualquer, pobre e desvalioso.
Um juiz a valer
jamais é impetuoso,
Nem amigo sincero
é tão condescendente;
Sobre as faltas
não faz silêncio complacente;
Não perdoa,
tampouco, as nossas negligências,
Nem teme nos
falar sem véus ou reticências...
Se o verso ó
duro ou frouxo, ou se o sentido é quase
Impenetrável,
dando ambiguidade à frase;
Se a própria
construção tem defeito evidente,
Emendá-la é o
que faz autor sério e prudente.
É assim que
sempre fala o amigo verdadeiro...
Mas, às vezes,
o autor, num impulso altaneiro,
A qualquer restrição
afeta se ofender
E as coisas que
escreveu se empenha em defender.
– “Nestes
versos, direis, há falta de eloquência”.
– “Para estes,
meu senhor, peço benevolência”,
Dirá logo o
autor. – “Esta expressão é fria”.
Diz ele: “Mas
que amor! E que ourivesaria!”
– “Não me
agrada isto aqui”. – “Todo mundo gostou!”
Assim, o nosso
esforço inteiro se baldou...
É bastante
apontar-lhe um defeito, uma falha,
Para os vir
defender a petulante gralha!
E vive,
todavia, o bobo a propalar
Que a crítica ele
estima e sabe respeitar...
Quer com uma
alusão, tão mentirosa e vaga,
Encontrar quem
lhe dê em louvores a paga...
Assim ele se
vai, com sua pobre musa,
Em busca da
plateia ingênua de que abusa,
Por vezes a
depara – e assim um tolo autor
Em outro tolo
tem o seu admirador...
Há tolos na
província e tolos na cidade,
Há tolos pelo
mundo em grande quantidade.
Em meio a
cortesãos, pode um drama ordinário
Despertar até
mesmo um zelo partidário,
Desta razão
final ninguém há que me tire:
Jamais a um
parvo falta um parvo que o admiro...
O Leitor
Claude Monet
(Pintor francês: 1840-1926)
Referência:
BOILEAU, Nicolas. A boa e a má crítica.
Tradução de R. Magalhães Júnior In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de
Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p. 58-60.
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