Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Manuel Bandeira - Poética

Eis aqui um poema muitas vezes recitado e analisado nas aulas de Língua Portuguesa e Comunicação, em especial nesta Terra Brasilis.

Mas o que o torna bem diferenciado é o rompimento que ele representa no conjunto da obra de Manuel Bandeira, em relação aos cânones literários parnaso-simbolistas com que compactuou em seus primeiros livros de poesia, como “Cinzas das Horas” (1917) e “Carnaval” (1919).

No poema, Bandeira propugna pela liberdade mais “libertina” no trato poético, um modo de interagir com o poema mais livremente, com versos sem métrica ou rima, nos quais o interesse maior fica na captura da essência mesma da poesia, em meio aos fatos ordinários da via quotidiana.

J.A.R. – H.C.

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Manuel Bandeira foi, sem dúvida, um dos maiores renovadores da poesia brasileira, por seu conhecimento profundo da linguagem poética dos segredos da poesia, bem como pela preocupação técnica e artesanal, e consequente mestria na matéria. Por tudo isso exerceu enorme influência nos seus contemporâneos e em gerações posteriores. Naturalmente, o melhor da sua arte não está na técnica, mas na cosmovisão a que ela serve de veículo. É o poeta da ternura humilde e ao mesmo tempo ardente, do amor à vida, das pequenas coisas de todo o dia; sabe humanizar os objetos mais prosaicos. Sendo, no fundo, um romântico, soube evitar os escolhos da sentimentalidade e do pieguismo perseguindo uma arte depurada e exigente, e de uma constante pesquisa do seu “métier”. Daí o timbre inconfundível de sua obra: ao mesmo tempo intimista e social, erudita e popular, requintada e simples, pitoresca e séria, leve e trágica. Soube atingir a verdadeira simplicidade, – a simplicidade dos que domam o complexo com passes de magia feita de talento e labor pertinaz (LUFT, 1979, p. 39).

Decididamente modernista é Libertinagem, contendo poemas com que o autor participara no front do Modernismo, em revistas da vanguarda (de 22 a 30). É notória sobretudo a renovação da linguagem, neste livro. Bandeira, numa fuga à expressão “poética”, ao “belo” tradicional, explora os veios da fala cotidiana, coloquial e popular usando um “prosismo poético”. Tira poema de notícias de jornal, de frases de todo dia. Com esse material traduz as dores do mundo, a vida e a morte, não na dolência ou balanceio da poesia habitual, mas numa secura e por vezes num “humour que ostenta a rara qualidade de ser ao mesmo tempo trágico” (Péricles E. da Silva Ramos, em A Literatura no Brasil, vol. III, t. 1, p. 544) (LUFT, 1979, p. 38).

De: “A Poesia da Antiga Fábrica”
(Lennart Goebel: pintor alemão)

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Em: “Libertinagem”

Referências:

BANDEIRA, Manuel. Poética. In: LOANDA, Fernando Ferreira de. Antologia da moderna poesia brasileira. Rio de Janeiro: Orfeu, 1967. p. 28-29.

LUFT, Celso Pedro. Manuel Bandeira. In: __________. Literatura portuguesa e brasileira. Enciclopédia Globo para os Cursos Fundamental e Médio. Organização de Álvaro Magalhães. V. II. Porto Alegre, RS: Globo, 1979. p. 37-39.

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