Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Claudio Willer - Poética

O poeta, ensaísta e tradutor – é assim que ele se afirma em seu próprio blog – Claudio Willer, um dos mais importantes autores da poesia brasileira contemporânea, é o criador de uma poética muito própria, poética do cotidiano, metalinguística como não poderia deixar de ser, que conjuga “convulsão urbana”, tempero fugaz e tênue “pathos romântico”.

Aproveitamos para também transcrever a suma que o literato Manuel da Costa Pinto apresenta na antologia por ele organizada (vide referência), sobre a obra de Willer.

J.A.R. – H.C.

Claudio Jorge Willer
(São Paulo, SP: 1940)

Apreciação de Manuel da Costa Pinto (2006, p. 380-382)

Expoente da geração que surgiu em São Paulo nos anos 1960 (composta por nomes como Roberto Piva, Antonio Fernando De Framceschi e Carlos Felipe Moisés), tradutor de Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont [1846-1870], e Uivo, do beatnik Allen Ginsberg (1926-1997) – autores com os quais mantém afinidades explícitas –, Willer é um escritor que atribui à poesia um sentido vital. No prefácio de Estranhas Experiências (livro de 2004 que reuniu textos inéditos a sua produção anterior), ele afirma, ao recapitular sua trajetória: “Poesia tinha que acontecer naturalmente. O restante não passava de literatura. [...] Cheguei a afirmar que a poesia era superestrutural, epifenômeno, pois o que interessa era a vida, a literatura só como sintoma, índice de transformações”.
Embora no mesmo texto ele reconheça haver exagero nessas reivindicações vitalistas, pode-se depreender daí algumas constantes na sua obra: em primeiro lugar, uma concepção que vai contra a ideia, hoje mais ou menos consensual, de que a poesia é um artefato, fruto de um labor textual cuja fatura nada tem que ver com inspiração ou estados de espírito iluminados; em segundo lugar, a noção que a poesia, a verdadeira poesia, equivale a um gesto visceral (“o resto é literatura”, como dizia o poeta francês Paul Verlaine [1844-1896], ou seja, um simulacro de vivência). Essa “postura demiúrgica” comum aos integrantes da Geração 60 (conforme ele escreve num outro texto)(*), que faz com que o poeta almeje à condição de um semideus capaz de transformar a realidade à sua volta, se faz presente tanto em seus textos mais metalinguísticos como naqueles em que traz a marca de uma poética de convulsão urbana e das “comemorações invisíveis”. Willer, enfim, equilibra-se entre o pathos romântico e o sentido moderno de fugacidade, associa um tom sacrificial (“escrever é matar-se aos poucos”) a êxtases materialistas (“harmonia não necessariamente cósmica / plenitude muito pouco mística”) – numa espécie de ponte entre dois mundos.

(*) “A Cidade, os Poetas, a Poesia”, em Antologia Poética da Geração 60, org. de Álvaro Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés (São Paulo, Nankin, 2000).

Principais Obras: Anotações para um Apocalipse (1964), Dias Circulares (1976), Jardins de Provocação (1981) – reunidos em Estranhas Experiências (Lamparina, 2004) – e Volta (prosa; Iluminuras, 1996).

Poética

1

então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refluindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando
encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e
pelos bairros enquanto as lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos discursando
pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da
noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna
escuridão de um bar – hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a
ver – onde a proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
porém por atavismo

2

a sensação de estar aí mesmo
harmonia não necessariamente cósmica
plenitude muito pouco mística
porém simples proximidade
da aberrante experiência de viver
algo como o calor
sentido ao estar junto de uma forja
(talvez eu devesse viajar, ou melhor, ser levado pela viagem, carregar tudo junto,
deixar-se conduzir consigo mesmo)
ao penetrar no opalino aquário
(isso tem a ver com estarmos juntos)
e sentir o mundo na temperatura do corpo
enquanto lá fora (longe, muito longe) tudo é outra coisa
então
o poema é despreocupação

(De: “Estranhas Experiências”)

Hong Kong sob a Chuva
(Christophe Jacrot: fotógrafo francês)

Referência:

WILLER, Claudio. Poética. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 379-380.

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