O poeta, ensaísta e tradutor – é assim que ele se afirma em seu próprio blog – Claudio Willer, um dos mais importantes autores
da poesia brasileira contemporânea, é o criador de uma poética muito própria,
poética do cotidiano, metalinguística como não poderia deixar de ser, que conjuga
“convulsão urbana”, tempero fugaz e tênue “pathos romântico”.
Aproveitamos para também transcrever a suma que o literato Manuel da
Costa Pinto apresenta na antologia por ele organizada (vide referência), sobre
a obra de Willer.
J.A.R. – H.C.
Claudio Jorge Willer
(São Paulo, SP: 1940)
Apreciação de Manuel da Costa Pinto (2006,
p. 380-382)
Expoente da geração
que surgiu em São Paulo nos anos 1960 (composta por nomes como Roberto Piva,
Antonio Fernando De Framceschi e Carlos Felipe Moisés), tradutor de Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont [1846-1870],
e Uivo, do beatnik Allen Ginsberg (1926-1997) – autores com os quais mantém
afinidades explícitas –, Willer é um escritor que atribui à poesia um sentido
vital. No prefácio de Estranhas
Experiências (livro de 2004 que reuniu textos inéditos a sua produção
anterior), ele afirma, ao recapitular sua trajetória: “Poesia tinha que
acontecer naturalmente. O restante não passava de literatura. [...] Cheguei a
afirmar que a poesia era superestrutural, epifenômeno, pois o que interessa era
a vida, a literatura só como sintoma, índice de transformações”.
Embora no mesmo texto ele reconheça haver
exagero nessas reivindicações vitalistas, pode-se depreender daí algumas
constantes na sua obra: em primeiro lugar, uma concepção que vai contra a
ideia, hoje mais ou menos consensual, de que a poesia é um artefato, fruto de
um labor textual cuja fatura nada tem que ver com inspiração ou estados de
espírito iluminados; em segundo lugar, a noção que a poesia, a verdadeira
poesia, equivale a um gesto visceral (“o resto é literatura”, como dizia o
poeta francês Paul Verlaine [1844-1896], ou seja, um simulacro de vivência).
Essa “postura demiúrgica” comum aos integrantes da Geração 60 (conforme ele
escreve num outro texto)(*), que faz com que o poeta almeje à condição de um
semideus capaz de transformar a realidade à sua volta, se faz presente tanto em
seus textos mais metalinguísticos como naqueles em que traz a marca de uma
poética de convulsão urbana e das “comemorações invisíveis”. Willer, enfim,
equilibra-se entre o pathos romântico
e o sentido moderno de fugacidade, associa um tom sacrificial (“escrever é
matar-se aos poucos”) a êxtases materialistas (“harmonia não necessariamente
cósmica / plenitude muito pouco mística”) – numa espécie de ponte entre dois
mundos.
(*) “A Cidade, os
Poetas, a Poesia”, em Antologia Poética
da Geração 60, org. de Álvaro Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés (São
Paulo, Nankin, 2000).
Principais Obras: Anotações para um Apocalipse (1964), Dias Circulares (1976), Jardins de Provocação (1981) – reunidos
em Estranhas Experiências (Lamparina,
2004) – e Volta (prosa; Iluminuras,
1996).
Poética
1
então é isso
quando achamos que
vivemos estranhas experiências
a vida como um filme
passando
ou faíscas saltando
de um núcleo
não propriamente a
experiência amorosa
porém aquilo que a
precede
e que é ar
concretude carregada
de tudo:
a cidade refluindo
para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando
encontros improváveis
e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e
pelos bairros
enquanto as lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos discursando
pelas esquinas, a
umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da
noite anterior no
quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna
escuridão de um bar –
hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a
ver – onde a
proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por
vontade própria
porém por atavismo
2
a sensação de estar
aí mesmo
harmonia não
necessariamente cósmica
plenitude muito pouco
mística
porém simples
proximidade
da aberrante
experiência de viver
algo como o calor
sentido ao estar
junto de uma forja
(talvez eu devesse
viajar, ou melhor, ser levado pela viagem, carregar tudo junto,
deixar-se conduzir
consigo mesmo)
ao penetrar no
opalino aquário
(isso tem a ver com
estarmos juntos)
e sentir o mundo na
temperatura do corpo
enquanto lá fora
(longe, muito longe) tudo é outra coisa
então
o poema é
despreocupação
(De: “Estranhas
Experiências”)
Hong Kong sob a Chuva
(Christophe Jacrot: fotógrafo francês)
Referência:
WILLER, Claudio. Poética. In: PINTO,
Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo:
Publifolha, 2006. p. 379-380.
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