Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 9 de maio de 2015

Salvador Espriu - Ensaio de Cântico no Templo

Aqui está um dos mais significativos escritores catalães do período pós-2GM, Salvador Espriu, a declarar o seu amor pela terra natal, em meio às denúncias contra as agruras do período franquista.

Diz ele que apreciaria bastante partir para o norte, para outras plagas, onde as pessoas seriam mais limpas, nobres, cultas, ricas, livres acordadas e felizes, distintamente das que habitam a sua covarde, velha, selvagem e infeliz terra.

Mas um aparte: por um momento, imaginei que Espriu tivesse experimentado a síndrome que, como se diz, aprecia o gramado do vizinho como muito mais bonito.

Afinal, a região da Catalunha é também muito bonita, Barcelona bem ali, como ponto de atração para um mar de gente, dos turistas aos residentes no entorno, Espriu aí incluso, pois faleceu exatamente nessa bela cidade.

Por isso, imagino que tenha sido mesmo a ditadura de Franco que tenha toldado a mente do poeta, tornando-o amargo e quase sem esperança. Mas como sempre, o tempo é o curandeiro que a tudo remedia. As coisas mudaram bastante por lá.

J.A.R. – H.C.

Salvador Espriu
(1913-1985)

Assaig de Càntic en el Temple

Oh, que cansat estic de la meva
covarda, vella, tan salvatge terra,
i com m’agradaria allunyar-me’n,
nord enllà,
on diuen que la gent és neta
i noble, culta, rica, lliure,
desvetllada i feliç!
Aleshores, a la congregació, els germans dirien
desaprovant: “Com l’ocell que deixa el niu,
així l’home que se’n va del seu indret”,
mentre jo, ja ben lluny, em riuria
de la llei i de l’antiga saviesa
d’aquest meu àrid poble.
Però no he de seguir mai el meu somni
I em quedaré aquí fins a la mort.
Car sóc també molt covard i salvatge
i estimo a més amb un
desesperat dolor
aquesta meva pobra,
bruta, trista, dissortada pàtria.

Café em Barcelona
(Oleg Trofimoff: pintor russo)

Ensaio de Cântico no Templo

Oh, como estou cansado desta minha
covarde, velha, tão selvagem terra,
e como gostaria de ir embora,
para o norte,
onde dizem que o pessoal é limpo
e nobre, culto, rico, livre,
acordado e feliz!
Decerto, na congregação, diriam os irmãos
desaprovando: “Como pássaro o ninho,
assim abandona um homem o seu lugar”,
enquanto eu, bem longe, me riria
da lei e do antigo saber
de meu árido povo.
Mas nunca vou realizar meu sonho
e ficarei aqui até a morte.
Pois sou covarde e selvagem – eu também! –
e amo, além do mais, com uma
desesperada dor,
esta minha pobre,
suja, triste, infeliz pátria.

Referência:

ESPRIU, Salvador. Ensaio de cântico no templo. In: SOLER, Luis (Organização e Tradução). 4 poetas da Catalunha. Edição bilíngue. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010. Em catalão, p. 92; em português, p. 93.

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