Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 2 de maio de 2015

Manuel Alegre - Portugal em Paris

Eis um poema que talvez reflita, por vias não exatamente diretas, a realidade social de Portugal em boa parte do século passado: a saída de muitos de seus patrícios, da terra natal para outros países mais bem aquinhoados no cenário econômico-político europeu, como, por exemplo, a França e a Suíça.

No caso deste poema, Manuel Alegre menciona a chegada à Gare de Austerlitz, em Paris, de levas de portugueses em busca de melhores condições de vida ou mesmo fugidos da opressão política salazarista. Pelo texto abaixo, extraído da seleta em referência, este último caso parece ser bem a situação vivenciada pelo próprio Manuel Alegre.

Certamente, temos aí um poema datado, como, v.g., muitas das composições de Chico Buarque de Holanda, à época da ditadura dos anos 60-80, por estas plagas.

J.A.R. – H.C.

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em Águeda em 1936, frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra e logo aí se notabilizou como figura preponderante do movimento estudantil durante a crise académica de 1962. Opondo-se frontalmente à guerra colonial, conheceu o exílio na Argélia e em França. É desse período que datam os seus primeiros livros de poesia: Praça da Canção (1965), O Canto e as Armas (1967), Um Barco para Ítaca (1971). Regressado a Portugal em 1974, é dirigente do Partido Socialista, tem sido deputado à Assembleia da República em várias legislaturas e foi Secretário de Estado no I Governo Constitucional, primeiro como responsável pelo departamento da Comunicação Social e, depois, como adjunto do Primeiro-Ministro para os Assuntos Políticos. Nesta fase se situa a publicação de Letras (1974) e Coisa Amar/Coisas do Mar (1977). Não obstante a diversidade de Inspiração que caracteriza os cinco volumes até agora publicados por Manuel Alegre, é porventura possível apontar a persistência em todos eles da temática amorosa, da problemática social, da obsessão da história, da presença do mito. Avolumando-se progressivamente, ao longo desses textos, a sombra tutelar do exemplo camoniano, com as referidas constantes se relaciona, de modo particularmente reiterado, o motivo da emigração – emigração no espaço, migração no tempo –, que em si envolve ou arrasta a nostalgia da Pátria do presente como ausência vivida. Mas igualmente importante é o facto de tudo isto se mostrar servido por uma grande mestria dos meios de expressão, por uma extrema diversidade de formas de “discurso”, por uma continuada segurança prosódica, por uma afinadíssima sensibilidade aos valores da palavra e aos valores do ritmo. [D. M.-F.] (MOURÃO-FERREIRA; SEIXO, 1981, p. 41).
  
Manuel Alegre
(n. 1936)

Portugal em Paris

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Referência:

ALEGRE. Manuel. Portugal em Paris. In: MOURÃO-FERREIRA, David; SEIXO, Maria Alzira (Orgs.). Portugal: a terra e o homem. II Volume - 3ª Série. Lisboa, PT: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. p. 48-49.

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