Um poema de um gaúcho, que bem poderia ser de um amazônida: aquele
enorme rio-mar – o Amazonas –, onipresente na vasta planície com os seus
afluentes provedores.
No entanto, parece óbvio que a poesia de Nejar diz respeito ao fluxo da
própria vida, a transcorrer num curso subterrâneo, com a correnteza do tempo
pairando sobre as nossas cabeças.
Rio dentro do rio, nossas vidas à mercê das circunstâncias, do desespero
que nos assola. Os peixes como metáfora das oportunidades que deixamos passar,
por desatentos. E a nossa sabedoria a se decantar exatamente dessa matéria dos
dias. A vida, como início e fim de toda pretensa teleologia humana.
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(Porto Alegre, RS:
1939)
Sabedoria
Nossa sabedoria é a
dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os
rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão
nossos rostos vazios.
Intactos passaremos
sob a correnteza
feita por nós e o
nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do
corpo,
como antigos
veleiros.
Barragem Bíblica
(Jacek Yerka: pintor
polonês)
Referência:
NEJAR, Carlos. Sabedoria. In: GARCÍA,
Xosé Lois. Antologia da poesia
brasileira / Antología de la poesía brasileña. Edición bilingüe. Santiago
de Compostela, Galiza, U.E.: Laiovento, 2001. p. 288.
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