Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de abril de 2025

Óssip Mandelstam - Cassino

Neste soneto de Mandelstam coexistem no estado anímico do falante, tensionados viscosamente, um lado mais acabrunhado, a instilar substanciais gotas de melancolia, e outro mais devotado a fascinar-se com a vitalidade e as manifestações de beleza – naturais ou artificiais –, ainda que efêmeras, como que a vislumbrar a possibilidade de a liberdade e a temperança poderem confrontar os eventuais laivos de desesperança que venham a se instalar na alma.

 

A atmosfera contemplativa, entrecortada por certa quietude, desolação e a alguma ameaça, vai em linha com as nuances de “uma vida não tão rica”, dominada por uma sensibilidade aguçada às sutilezas da existência, expondo o ente lírico a uma atitude de reserva, até mesmo de ceticismo, em relação às hipóteses de felicidade.

 

É na complexidade dos desenlaces da vida, entre mistérios e nostalgias, fugas e descobertas, embuços e revelações, que se nos oferece um mundo de contrastes, colocando à prova a nossa estabilidade psíquica, o poder de nossa vontade para empreender voos mais altos, mais meritórios, a darem concretude às nossas mais acalentadas aspirações, levando-nos a compreender melhor as razões dos volteios das gaivotas sobre o mar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Óssip Mandelstam

(1891-1938)

 

Казино

 

Я не поклонник радости предвзятой,

Подчас природа серое пятно.

Мне, в опьяненье легком, суждено

Изведать краски жизни небогатой.

 

Играет ветер тучею косматой,

Ложится якорь на морское дно,

И, бездыханная, как полотно,

Душа висит над бездною проклятой.

 

Но я люблю на дюнах казино,

Широкий вид в туманное окно

И тонкий луч на скатерти измятой;

 

И, окружен водой зеленоватой,

Когда, как роза, в хрустале вино, –

Люблю следить за чайкою крылатой!

 

1912

 

Três dunas a partir da minha janela

(Carita Henriksson: artista australiana)

 

Cassino

 

Não gosto de prazer premeditado.

O mundo, às vezes, é um borrão escuro.

Eu, meio bêbado, estou condenado

A ver as cores de um viver obscuro.

 

O vento brinca e às nuvens descabela.

A âncora cai no fundo do oceano.

E inanimada, como numa tela,

A alma pende sobre o abismo insano.

 

Mas amo estar nas dunas do cassino,

A larga vista da janela baça,

Um fio de luz na toalha que desbota,

 

A minha volta o mar verde-citrino,

Vinho, como uma rosa, em minha taça

E eu a seguir o voo da gaivota.

 

1912

 

Referências:

 

Em Russo

 

Мандельштам, Осип. Казино. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 abr. 2025.

 

Em Português

 

MANDELSTAM, Óssip. Cassino. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto (Seleção, tradução e notas). Poesia da recusa. São Paulo, SP: Perspectiva, 2006. p. 119. (Coleção ‘Signos’; v. 42)

Um comentário:

  1. As traduções de Augusto de Campos são bem interessantes. E tens razão: é realmente na complexidade dos desenlaces da vida que se nos oferece um rico mundo de contrastes.

    ResponderExcluir