Entre a realidade e a
linguagem situa-se a poesia, substância algo esquiva a pairar no inefável –
oculta, abstrusa, enigmática, misteriosa, cambiante, quase inacessível –, exigindo
da poetisa uma busca incansável – na iminência de levá-la ao desespero e à
frustração –, tudo para expressar o que lhe vai no íntimo, como sujeito da
lírica, abrindo-lhe novos mundos e revelando-lhe a verdade sobre si mesma.
Às voltas com a natureza
da criação poética e o papel do(a) poeta no mundo, a falante mantém a esperança
de alcançar, em algum inesperado momento, em meio à escuridão e à confusão, o
núcleo mesmo da poesia, ainda que haja barreiras, véus espessos, densas camadas
interpostas, quer de ordem interna – como dúvidas, questionamentos
existenciais, bloqueios criativos e a própria linguagem, que, por vezes, se
torna insuficiente para expressar a totalidade da experiência humana –, quer
externa – como as pressões sociais, as expectativas e as convenções, as quais,
contingentemente, limitam a expressão poética e a impedem de alcançar sua
plenitude.
J.A.R. – H.C.
Olga Orozco
(1920-1999)
Densos velos te
cubren, poesía
No es en este volcán
que hay debajo de mi lengua falaz donde te busco,
ni en esta espuma
azul que hierve y cristaliza en mi cabeza,
sino en esas regiones
que cambian de lugar cuando se nombran,
como el secreto yo
y las indescifrables
colonias de otro mundo.
Noches y días con los
ojos abiertos bajo el insoportable parpadeo del sol,
atisbando en el cielo
una señal,
la sombra de un
eclipse fulgurante sobre el rostro del tiempo,
una fisura blanca
como un tajo de Dios en la muralla del planeta.
Algo con que alumbrar
las sílabas dispersas de un código perdido
para poder leer en
estas piedras mi costado invisible.
Pero ningún
pentecostés de alas ardientes desciende sobre mí.
¡Variaciones del
humo,
retazos de tinieblas
con máscaras de plomo,
meteoros innominados
que me sustraen la visión entre
un batir de puertas!
Noches y días
fortificada en la clausura de esta piel,
escarbando en la
sangre como un topo,
removiendo en los
huesos las fundaciones y las lápidas,
en busca de un
indicio como de un talismán que me revierta la división
y la caída.
¿Dónde fue sepultada
la semilla de mi pequeño verbo aún sin formular?
¿En qué Delfos
perdido en la corriente
suben como el vapor
las voces desasidas que reclaman mi voz
para manifestarse?
¿y cómo asir el signo
a la deriva
– ése y no cualquier
otro –
em que debe encarnar
cada fragmento de este inmenso silencio?
No hay respuesta que
estalle como una constelación entre
harapos nocturnos.
¡Apenas si fantasmas
insondables de las profundidades,
territorios que
comunican con pantanos,
astillas de palabras
y guijarros que se disuelven en la insoluble nada!
Sin embargo
ahora mismo
o alguna vez
no sé
quién sabe
puede ser
a través de las
dobles espesuras que cierran la salida
o acaso suspendida
por un error de siglos en la red del instante
creí verte surgir
como una isla
quizás como una barca
entre las nubes o un castillo en el que
alguien canta
o una gruta que
avanza tormentosa con todos los sobrenaturales
fuegos encendidos.
¡Ah las manos
cortadas,
los ojos que
encandilan y el oído que atruena!
¡Un puñado de polvo,
mis vocablos!
Um guia vitoriano
para viagens no tempo
(Janet Hill: artista
canadense)
Densos véus te
cobrem, poesia
Não é neste vulcão sob
a minha língua falaz que estou à tua procura,
nem nesta espuma azul
que ferve e se cristaliza em minha cabeça,
senão nessas regiões
que mudam de lugar quando são nomeadas,
como o secreto eu e
as indecifráveis colônias de outro mundo.
Noites e dias com os
olhos abertos sob o insuportável tremeluzir do sol,
vislumbrando no céu
um sinal,
a sombra de um
eclipse fulgurante sobre o rosto do tempo,
uma fissura branca
como um corte de Deus na muralha do planeta.
Algo com que iluminar
as sílabas dispersas de um código perdido,
para poder ler nestas
pedras o meu lado invisível.
Mas nenhum
pentecostes de asas ardentes desce sobre mim.
Variações de fumaça,
nacos de trevas com
máscaras de chumbo,
meteoros inominados
que me subtraem a visão entre um bater de portas!
Mantenho-me noites e
dias fortificada na clausura desta pele,
escavando no sangue
como uma toupeira,
removendo nos ossos
as fundações e as lápides,
à procura de um
indício, como um talismã, que me reverta
a divisão e a queda.
Onde foi sepultada a
semente de meu pequeno verbo ainda
por formular?
Em qual Delfos perdido
na corrente
sobem, como o vapor,
as vozes desprendidas a exigirem que a minha voz
se manifeste?
e como apreender o signo
à deriva
– esse e não outro
qualquer –
no qual deve encarnar
cada fragmento deste imenso silêncio?
Não há resposta que
irrompa como uma constelação entre
farrapos noturnos.
Apenas, decerto,
fantasmas insondáveis das profundidades,
territórios que se
conectam com pântanos,
astilhas de palavras
e seixos que se dissolvem no insolúvel nada!
No entanto
agora mesmo
ou de quando em vez
não sei
quem sabe
pode ser
através das duplas
espessuras que fecham a saída
ou talvez suspensa
por um erro de séculos na rede do instante
pareceu-me ver-te
surgir como uma ilha
quiçá como uma barca
entre as nuvens ou um castelo onde alguém canta
ou uma gruta que
avança tormentosa com todos os sobrenaturais
fogos acesos.
Ah, as mãos cortadas,
os olhos que ofuscam
e o ouvido que estronda!
Um punhado de pó,
meus vocábulos!
Referência:
OROZCO, Olga. Densos velos te cubren, poesía. In: BORDA, Juán Gustavo Cobo (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía hispanoamericana. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1985. p. 266-267. (Colección ‘Tierra Firme’)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário