Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Olga Orozco - Densos véus te cobrem, poesia

Entre a realidade e a linguagem situa-se a poesia, substância algo esquiva a pairar no inefável – oculta, abstrusa, enigmática, misteriosa, cambiante, quase inacessível –, exigindo da poetisa uma busca incansável – na iminência de levá-la ao desespero e à frustração –, tudo para expressar o que lhe vai no íntimo, como sujeito da lírica, abrindo-lhe novos mundos e revelando-lhe a verdade sobre si mesma.

 

Às voltas com a natureza da criação poética e o papel do(a) poeta no mundo, a falante mantém a esperança de alcançar, em algum inesperado momento, em meio à escuridão e à confusão, o núcleo mesmo da poesia, ainda que haja barreiras, véus espessos, densas camadas interpostas, quer de ordem interna – como dúvidas, questionamentos existenciais, bloqueios criativos e a própria linguagem, que, por vezes, se torna insuficiente para expressar a totalidade da experiência humana –, quer externa – como as pressões sociais, as expectativas e as convenções, as quais, contingentemente, limitam a expressão poética e a impedem de alcançar sua plenitude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Olga Orozco

(1920-1999)

 

Densos velos te cubren, poesía

 

No es en este volcán que hay debajo de mi lengua falaz donde te busco,

ni en esta espuma azul que hierve y cristaliza en mi cabeza,

sino en esas regiones que cambian de lugar cuando se nombran,

como el secreto yo

y las indescifrables colonias de otro mundo.

 

Noches y días con los ojos abiertos bajo el insoportable parpadeo del sol,

atisbando en el cielo una señal,

la sombra de un eclipse fulgurante sobre el rostro del tiempo,

una fisura blanca como un tajo de Dios en la muralla del planeta.

Algo con que alumbrar las sílabas dispersas de un código perdido

para poder leer en estas piedras mi costado invisible.

 

Pero ningún pentecostés de alas ardientes desciende sobre mí.

¡Variaciones del humo,

retazos de tinieblas con máscaras de plomo,

meteoros innominados que me sustraen la visión entre

un batir de puertas!

Noches y días fortificada en la clausura de esta piel,

escarbando en la sangre como un topo,

removiendo en los huesos las fundaciones y las lápidas,

en busca de un indicio como de un talismán que me revierta la división

y la caída.

 

¿Dónde fue sepultada la semilla de mi pequeño verbo aún sin formular?

¿En qué Delfos perdido en la corriente

suben como el vapor las voces desasidas que reclaman mi voz

para manifestarse?

¿y cómo asir el signo a la deriva

– ése y no cualquier otro –

em que debe encarnar cada fragmento de este inmenso silencio?

 

No hay respuesta que estalle como una constelación entre

harapos nocturnos.

¡Apenas si fantasmas insondables de las profundidades,

territorios que comunican con pantanos,

astillas de palabras y guijarros que se disuelven en la insoluble nada!

 

Sin embargo

ahora mismo

o alguna vez

no sé

quién sabe

puede ser

a través de las dobles espesuras que cierran la salida

o acaso suspendida por un error de siglos en la red del instante

creí verte surgir como una isla

quizás como una barca entre las nubes o un castillo en el que

alguien canta

o una gruta que avanza tormentosa con todos los sobrenaturales

fuegos encendidos.

 

¡Ah las manos cortadas,

los ojos que encandilan y el oído que atruena!

 

¡Un puñado de polvo, mis vocablos!

 

Um guia vitoriano para viagens no tempo

(Janet Hill: artista canadense)

 

Densos véus te cobrem, poesia

 

Não é neste vulcão sob a minha língua falaz que estou à tua procura,

nem nesta espuma azul que ferve e se cristaliza em minha cabeça,

senão nessas regiões que mudam de lugar quando são nomeadas,

como o secreto eu e as indecifráveis colônias de outro mundo.

 

Noites e dias com os olhos abertos sob o insuportável tremeluzir do sol,

vislumbrando no céu um sinal,

a sombra de um eclipse fulgurante sobre o rosto do tempo,

uma fissura branca como um corte de Deus na muralha do planeta.

Algo com que iluminar as sílabas dispersas de um código perdido,

para poder ler nestas pedras o meu lado invisível.

 

Mas nenhum pentecostes de asas ardentes desce sobre mim.

Variações de fumaça,

nacos de trevas com máscaras de chumbo,

meteoros inominados que me subtraem a visão entre um bater de portas!

Mantenho-me noites e dias fortificada na clausura desta pele,

escavando no sangue como uma toupeira,

removendo nos ossos as fundações e as lápides,

à procura de um indício, como um talismã, que me reverta

a divisão e a queda.

 

Onde foi sepultada a semente de meu pequeno verbo ainda

por formular?

Em qual Delfos perdido na corrente

sobem, como o vapor, as vozes desprendidas a exigirem que a minha voz

se manifeste?

e como apreender o signo à deriva

– esse e não outro qualquer –

no qual deve encarnar cada fragmento deste imenso silêncio?

 

Não há resposta que irrompa como uma constelação entre

farrapos noturnos.

Apenas, decerto, fantasmas insondáveis das profundidades,

territórios que se conectam com pântanos,

astilhas de palavras e seixos que se dissolvem no insolúvel nada!

 

No entanto

agora mesmo

ou de quando em vez

não sei

quem sabe

pode ser

através das duplas espessuras que fecham a saída

ou talvez suspensa por um erro de séculos na rede do instante

pareceu-me ver-te surgir como uma ilha

quiçá como uma barca entre as nuvens ou um castelo onde alguém canta

ou uma gruta que avança tormentosa com todos os sobrenaturais

fogos acesos.

 

Ah, as mãos cortadas,

os olhos que ofuscam e o ouvido que estronda!

 

Um punhado de pó, meus vocábulos!

 

Referência:

 

OROZCO, Olga. Densos velos te cubren, poesía. In: BORDA, Juán Gustavo Cobo (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía hispanoamericana. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, ‎‎1985. p. 266-267. (Colección ‘Tierra Firme’)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário