Num tom evocativo,
entre o etéreo e o abstrato, Mistral nos fala de um “país” construído a partir
de ausências e coisas perdidas ao longo da vida, compondo um quadro em que as suas
linhas demarcatórias são assinaladas por uma sensação de vazio e por
sentimentos de solidão, perdas e desenraizamento.
Trata-se de um lugar
sem nome, fronteiras físicas, cores vibrantes ou vida florescente, pois que é
um espaço intangível: não um lugar específico, senão um estado existencial, um
refúgio onde remanescem memórias, sonhos e outros incidentes acumulados, como
pátrias que foram objeto de renúncia, entes queridos falecidos, posses e apagadas
lembranças.
Nesse sítio metafórico,
como se fosse um lar íntimo e transcendente, capaz de fazer frente à melancolia
e à impermanência das coisas, a voz poética encontra refúgio e aceitação,
reiterando a ideia de sua própria morte futura em terras desse “inominado país”.
J.A.R. – H.C.
Gabriela Mistral
(1889-1957)
País de la Ausencia
A Ribeiro Couto
País de la ausencia,
extraño país,
más ligero que ángel
y seña sutil,
color de alga muerta,
color de neblí,
con edad de siempre,
sin edad feliz.
No echa granada,
no cría jazmín,
y no tiene cielos
ni mares de añil.
Nombre suyo, nombre,
nunca se lo oí,
y en país sin nombre
me voy a morir.
Ni puente ni barca
me trajo hasta aquí,
no me lo contaron
por isla o país.
Yo no lo buscaba
ni lo descubrí.
Parece una fábula
que yo me aprendí,
sueño de tomar
y de desasir.
Y es mi patria donde
vivir y morir.
Me nació de cosas
que no son país;
de patrias y patrias
que tuve y perdí;
de las criaturas
que yo vi morir;
de lo que era mío
y se fue de mí.
Perdí cordilleras
en donde dormí;
perdí huertos de oro
dulces de vivir;
perdí yo las islas
de caña y añil,
y las sombras de
ellos
me las vi ceñir
y juntas y amantes
hacerse país.
Guedejas de nieblas
sin dorso y cerviz,
alientos dormidos
me los vi seguir,
y en años errantes
volverse país,
y en país sin nombre
me voy a morir.
Ausência
(Guillaume Vincent:
artista francês)
País da Ausência
A Ribeiro Couto
É o país da ausência
estranho país,
com leveza de anjos,
contornos sutis,
da cor da alga morta,
da cor indecisa,
com a era de sempre,
sem era feliz.
Romãs não dá nunca,
tampouco jasmins.
Nunca teve céus,
nem mares de anil.
Não sei do seu nome,
de ninguém o ouvi.
No país sem nome
é que vou dormir.
Nem pontes nem barcos
trouxeram-me aqui,
ninguém me falará
do estranho país.
Nem eu o buscava,
nem o descobri.
Parece uma fábula (*)
que eu pude aprender,
sonho de pegar
e se desfazer.
E é minha pátria onde
viver e morrer.
Nasceu-me de coisas
que não são país:
de pátrias e pátrias
que tive e perdi,
bem como criaturas
que morrerem vi;
do que já foi meu
e se foi de mim.
Perdi cordilheiras
e vales sem fim,
doirados pomares
cheirosos jardins;
perdi também ilhas
de verde e de anil.
As sombras de tudo
a envolver-me vi
e, juntas e amantes,
fazer-se país.
Cabelos de névoa
sem fronte ou cerviz,
hálitos errantes
sempre a me seguir,
ao longo dos anos
virando país.
No país da ausência
é que vou dormir.
Nota:
(*). A quarta estrofe
do poema não se apresenta traduzida ao português na coletânea organizada por
Henriqueta Lisboa, constante no campo de referências desta postagem; a tradução
ora apresentada é de minha autoria, mantido o esquema de rimas e a métrica da
estância original, com o objetivo de se oferecer uma circunstancial continuidade
ao poema de Mistral.
Referências:
Em Espanhol
MISTRAL, Gabriela. País
de la ausencia. In: __________. Tala: poemas. Buenos Aires, AR:
Editorial Losada, 1946. p. 89-91. (Biblioteca Contemporánea; v. 184)
Em Português
MISTRAL, Gabriela. País da ausência. Tradução de Ribeiro Couto. In: LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro & Tecnoprint, 1981. p. 100.
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