Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Gabriela Mistral - País da Ausência

Num tom evocativo, entre o etéreo e o abstrato, Mistral nos fala de um “país” construído a partir de ausências e coisas perdidas ao longo da vida, compondo um quadro em que as suas linhas demarcatórias são assinaladas por uma sensação de vazio e por sentimentos de solidão, perdas e desenraizamento.

 

Trata-se de um lugar sem nome, fronteiras físicas, cores vibrantes ou vida florescente, pois que é um espaço intangível: não um lugar específico, senão um estado existencial, um refúgio onde remanescem memórias, sonhos e outros incidentes acumulados, como pátrias que foram objeto de renúncia, entes queridos falecidos, posses e apagadas lembranças.

 

Nesse sítio metafórico, como se fosse um lar íntimo e transcendente, capaz de fazer frente à melancolia e à impermanência das coisas, a voz poética encontra refúgio e aceitação, reiterando a ideia de sua própria morte futura em terras desse “inominado país”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gabriela Mistral

(1889-1957)

 

País de la Ausencia

 

A Ribeiro Couto

 

País de la ausencia,

extraño país,

más ligero que ángel

y seña sutil,

color de alga muerta,

color de neblí,

con edad de siempre,

sin edad feliz.

 

No echa granada,

no cría jazmín,

y no tiene cielos

ni mares de añil.

Nombre suyo, nombre,

nunca se lo oí,

y en país sin nombre

me voy a morir.

 

Ni puente ni barca

me trajo hasta aquí,

no me lo contaron

por isla o país.

Yo no lo buscaba

ni lo descubrí.

 

Parece una fábula

que yo me aprendí,

sueño de tomar

y de desasir.

Y es mi patria donde

vivir y morir.

 

Me nació de cosas

que no son país;

de patrias y patrias

que tuve y perdí;

de las criaturas

que yo vi morir;

de lo que era mío

y se fue de mí.

 

Perdí cordilleras

en donde dormí;

perdí huertos de oro

dulces de vivir;

perdí yo las islas

de caña y añil,

y las sombras de ellos

me las vi ceñir

y juntas y amantes

hacerse país.

 

Guedejas de nieblas

sin dorso y cerviz,

alientos dormidos

me los vi seguir,

y en años errantes

volverse país,

y en país sin nombre

me voy a morir.

 

Ausência

(Guillaume Vincent: artista francês)

 

País da Ausência

 

A Ribeiro Couto

 

É o país da ausência

estranho país,

com leveza de anjos,

contornos sutis,

da cor da alga morta,

da cor indecisa,

com a era de sempre,

sem era feliz.

 

Romãs não dá nunca,

tampouco jasmins.

Nunca teve céus,

nem mares de anil.

Não sei do seu nome,

de ninguém o ouvi.

No país sem nome

é que vou dormir.

 

Nem pontes nem barcos

trouxeram-me aqui,

ninguém me falará

do estranho país.

Nem eu o buscava,

nem o descobri.

 

Parece uma fábula (*)

que eu pude aprender,

sonho de pegar

e se desfazer.

E é minha pátria onde

viver e morrer.

 

Nasceu-me de coisas

que não são país:

de pátrias e pátrias

que tive e perdi,

bem como criaturas

que morrerem vi;

do que já foi meu

e se foi de mim.

 

Perdi cordilheiras

e vales sem fim,

doirados pomares

cheirosos jardins;

perdi também ilhas

de verde e de anil.

As sombras de tudo

a envolver-me vi

e, juntas e amantes,

fazer-se país.

 

Cabelos de névoa

sem fronte ou cerviz,

hálitos errantes

sempre a me seguir,

ao longo dos anos

virando país.

No país da ausência

é que vou dormir.

 

Nota:

 

(*). A quarta estrofe do poema não se apresenta traduzida ao português na coletânea organizada por Henriqueta Lisboa, constante no campo de referências desta postagem; a tradução ora apresentada é de minha autoria, mantido o esquema de rimas e a métrica da estância original, com o objetivo de se oferecer uma circunstancial continuidade ao poema de Mistral.

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

MISTRAL, Gabriela. País de la ausencia. In: __________. Tala: poemas. Buenos Aires, AR: Editorial Losada, 1946. p. 89-91. (Biblioteca Contemporánea; v. 184)

 

Em Português

 

MISTRAL, Gabriela. País da ausência. Tradução de Ribeiro Couto. In: LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro & Tecnoprint, 1981. p. 100.

Nenhum comentário:

Postar um comentário