Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Thomas Merton - Estranho

A sugerir que a verdadeira conexão com o divino não provém exatamente de palavras ou rituais, senão de uma observação atenta e maravilhada da natureza, Merton propõe que nos abramos a uma experiência transcendente capaz de nos transformar a partir de nosso interior, tal que a Luz resultante dessa conexão espiritual se nos apresente como uma metáfora para a Paz e a Unidade que devemos expressar, ante a sublime presença de Deus dentro de nós mesmos.

 

Trata-se de um despertar epifânico a indicar certa sintonia com as simbologias orientais, para as quais Deus é uma presença que se manifesta quer na natureza quer no interior do próprio ser humano, distintamente das escrituras ocidentais, muito mais devotadas a ver o Eterno no inefável orbe de transcendência, a não confundir a figura do sujeito que contempla com a do objeto de seu conhecimento ou veneração.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

Stranger

 

When no one listens

To the quiet trees

When no one notices

The sun in the pool

 

Where no one feels

The first drop of rain

Or sees the last star

 

Or hails the first morning

Of a giant world

Where peace begins

And rages end:

 

One bird sits still

Watching the work of God:

One turning leaf,

Two falling blossoms,

Ten circles upon the pond.

 

One cloud upon the hillside,

Two shadows in the valley

And the light strikes home.

Now dawn commands the capture

Of the tallest fortune.

The surrender

Of no less marvelous prize!

 

Closer and clearer

Than any wordy master,

Thou inward Stranger

Whom I have never seen,

 

Deeper and cleaner

Than the clamorous ocean,

Seize up my silence

Hold me in Thy Hand!

 

Now act is waste

And suffering undone

Laws become prodigals

Limits are torn down

For envy has no property

And passion is none.

 

Look, the vast Light stands still

Our cleanest Light is One!

 

In: “Figures for an Apocalypse” (1947)

 

Nenúfares à luz do amanhecer

(Ken Moroney: pintor inglês)

 

Estranho

 

Quando ninguém escuta

O silêncio das árvores

Quando ninguém percebe

O sol sobre o remanso

 

Onde ninguém sente

A primeira gota de chuva

Ou vê a derradeira estrela

 

Nem saúda o alvorecer

De um mundo grandioso

Onde a paz começa

E findam as agressões:

 

Um pássaro queda-se tranquilo

A observar a obra de Deus:

Uma folha que se estiola,

Duas flores que caem,

Dez círculos à tona na lagoa.

 

Uma nuvem sobre a encosta,

Duas sombras no vale

E a luz a lograr o seu efeito.

Agora o amanhecer ordena a captura

Da mais alta fortuna,

A rendição

De um prêmio não menos maravilhoso!

 

Mais perto e mais claro

Do que qualquer palavroso mestre,

Tu, Estranho imo,

A quem meus olhos jamais divisaram.

 

Mais profundo e mais límpido

Do que o clamoroso oceano,

Apodera-te do meu silêncio

Segura-me em Tua Mão!

 

Agora, prescinde-se do agir

Desfaz-se o sofrimento

As leis tornam-se pródigas

Os limites são derrubados

Pois a inveja não tem domínio

E a paixão é nenhuma.

 

Vejam, a vasta Luz permanece imóvel,

Eis que Una é a nossa mais pura Luz!

 

Em: “Figuras para um Apocalipse” (1947)

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. Stranger. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 1st. publ., 6th. print. New York, NY: New Directions, 1977. p. 189-190.

Nenhum comentário:

Postar um comentário