Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Kay Ryan - Coisas Emparelhadas

Lançando mão de irônicas miradas parciais, o poeta esquadrinha a dissonância entre a aparência e a realidade, por meio da observação dos pássaros, servindo-se da ideia de incompletude informacional no momento mesmo de se compreender, de se interpretar o mundo.

 

Com efeito, coisas que costumam estar juntas na natureza, como as asas e as patas de um pássaro, podem nos parecer estranhas caso sejam observadas de uma forma isolada. Veja-se: um corvo, majestosa ave, associada com frequência às trevas e à má sorte, vem em arrimo à tencionada homologação da tese do autor, ao ser visto como um desairoso “corvo comum”, de pernas arqueadas, a se mover desajeitadamente sobre a terra.

 

Disso decorre a importância de se ter uma perspectiva a mais completa possível dos fatos, pois aquilo que nos parece estranho e discordante, tomado isoladamente, pode ter sentido, graça e beleza quando se observa como parte de um todo, o que nos remete, por outras vias, à noção de que a totalidade das coisas emparelhadas perfaz algo mais que a soma de suas componentes individuais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Kay Ryan

(n. 1945)

 

Paired Things

 

Who, who had only seen wings,

could extrapolate the

skinny sticks of things

birds use for land,

the backward way they bend,

the silly way they stand?

And who, only studying

birdtracks in the sand,

could think those little forks

had decamped on the wind?

So many paired things seem odd.

Who ever would have dreamed

the broad winged raven of despair

would quit the air and go

bandylegged upon the ground,

a common crow?

 

Trigal com corvos

(Vincent van Gogh: pintor holandês)

 

Coisas Emparelhadas

 

Quem, que só tenha visto asas,

poderia extrapolar os

finos gravetos das coisas

que os pássaros lançam mão para pousar,

a forma como se curvam para trás,

o modo fátuo com que mantêm posição?

E quem, apenas estudando

os rastros de pássaros na areia,

poderia pensar que aquelas pequenas forquilhas

tenham escapado com o vento?

Tantas coisas emparelhadas parecem estranhas.

Quem jamais teria sonhado

que, tendo largas asas, o corvo do desespero

deixaria o ar e se poria a andar

com pernas arqueadas pelo chão,

feito um corvo comum?

 

Referência:

 

RYAN, Kay. Paired things. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), mar. 2003. p. 530-531.

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