Lançando mão de irônicas
miradas parciais, o poeta esquadrinha a dissonância entre a aparência e a
realidade, por meio da observação dos pássaros, servindo-se da ideia de
incompletude informacional no momento mesmo de se compreender, de se interpretar
o mundo.
Com efeito, coisas
que costumam estar juntas na natureza, como as asas e as patas de um pássaro,
podem nos parecer estranhas caso sejam observadas de uma forma isolada. Veja-se:
um corvo, majestosa ave, associada com frequência às trevas e à má sorte, vem
em arrimo à tencionada homologação da tese do autor, ao ser visto como um
desairoso “corvo comum”, de pernas arqueadas, a se mover desajeitadamente sobre
a terra.
Disso decorre a importância
de se ter uma perspectiva a mais completa possível dos fatos, pois aquilo que
nos parece estranho e discordante, tomado isoladamente, pode ter sentido, graça
e beleza quando se observa como parte de um todo, o que nos remete, por outras
vias, à noção de que a totalidade das coisas emparelhadas perfaz algo mais que
a soma de suas componentes individuais.
J.A.R. – H.C.
Kay Ryan
(n. 1945)
Paired Things
Who, who had only
seen wings,
could extrapolate the
skinny sticks of
things
birds use for land,
the backward way they
bend,
the silly way they
stand?
And who, only
studying
birdtracks in the
sand,
could think those
little forks
had decamped on the
wind?
So many paired things
seem odd.
Who ever would have
dreamed
the broad winged
raven of despair
would quit the air
and go
bandylegged upon the
ground,
a common crow?
Trigal com corvos
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Coisas Emparelhadas
Quem, que só tenha
visto asas,
poderia extrapolar os
finos gravetos das
coisas
que os pássaros lançam
mão para pousar,
a forma como se
curvam para trás,
o modo fátuo com que
mantêm posição?
E quem, apenas
estudando
os rastros de
pássaros na areia,
poderia pensar que
aquelas pequenas forquilhas
tenham escapado com o
vento?
Tantas coisas
emparelhadas parecem estranhas.
Quem jamais teria
sonhado
que, tendo largas
asas, o corvo do desespero
deixaria o ar e se
poria a andar
com pernas arqueadas
pelo chão,
feito um corvo comum?
Referência:
RYAN, Kay. Paired
things. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary
american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), mar. 2003. p. 530-531.
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