Evocando imagens
vívidas para transmitir uma mensagem pejada de perguntas retóricas sobre a
responsabilidade, a dúvida e a memória num contexto de conflitos, de lutas, o
poeta cubano evoca a íntima conexão – espiritual e até mesmo física – entre os
mortos e os vivos, devendo estes recordar e honrar o sacrifício por que passaram
aqueles.
Aos olhos do falante,
a sobrevivência num ambiente hostil não é um ato atribuível tão apenas à
capacidade individual de cada um, senão que está intrinsecamente ligada à hecatombe
de muitas vítimas. A propósito, não nos esqueçamos que o momento mesmo em que
redigido o poema corresponde, mais ou menos, ao da eclosão da revolução havida
no arquipélago caribenho.
J.A.R. – H.C.
Roberto Fernández
Retamar
(1930-2019)
El otro
(Enero 1, 1959)
Nosotros, los
sobrevivientes,
¿A quiénes debemos la
sobrevida?
¿Quién se murió por
mí en la ergástula,
Quién recibió la bala
mía,
La para mí, en su
corazón?
¿Sobre qué muerto
estoy yo vivo,
Sus huesos quedando
en los míos,
Los ojos que le
arrancaron, viendo
Por la mirada de mi
cara,
Y la mano que no es
su mano,
Que no es ya tampoco
la mía,
Escribiendo palabras
rotas
Donde él no está, en
la sobrevida?
En: “Vuelta de la
antigua esperanza” (1959)
O atiçador
(Igor Morski:
ilustrador polonês)
O outro
(1º de janeiro de 1959)
Nós, os sobreviventes,
A quem devemos a sobrevida?
Quem morreu por mim na masmorra,
Quem recebeu a minha bala,
A que era para mim em seu coração?
Sobre qual morto eu estou vivo,
Seus ossos jazem nos meus,
Os olhos que lhe arrancaram vendo
Pelo olhar de minha cara,
E a mão que não é sua mão,
Que também já não é a minha,
Escrevendo palavras rotas
Onde ele não está, na sobrevida?
Em: “Retorno da velha esperança” (1959)
Referência:
RATAMAR, Roberto
Fernández. El otro / O outro. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães
Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas). Vinte poetas
cubanos do século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali Garcia Diniz e
Luizete Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994. Em espanhol:
p. 224; em português: p. 225.
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