Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de abril de 2025

Roberto Fernández Retamar - O outro

Evocando imagens vívidas para transmitir uma mensagem pejada de perguntas retóricas sobre a responsabilidade, a dúvida e a memória num contexto de conflitos, de lutas, o poeta cubano evoca a íntima conexão – espiritual e até mesmo física – entre os mortos e os vivos, devendo estes recordar e honrar o sacrifício por que passaram aqueles.

 

Aos olhos do falante, a sobrevivência num ambiente hostil não é um ato atribuível tão apenas à capacidade individual de cada um, senão que está intrinsecamente ligada à hecatombe de muitas vítimas. A propósito, não nos esqueçamos que o momento mesmo em que redigido o poema corresponde, mais ou menos, ao da eclosão da revolução havida no arquipélago caribenho.

 

J.A.R. – H.C.

 

Roberto Fernández Retamar

(1930-2019)

 

El otro

 

(Enero 1, 1959)

 

Nosotros, los sobrevivientes,

¿A quiénes debemos la sobrevida?

¿Quién se murió por mí en la ergástula,

Quién recibió la bala mía,

La para mí, en su corazón?

¿Sobre qué muerto estoy yo vivo,

Sus huesos quedando en los míos,

Los ojos que le arrancaron, viendo

Por la mirada de mi cara,

Y la mano que no es su mano,

Que no es ya tampoco la mía,

Escribiendo palabras rotas

Donde él no está, en la sobrevida?

 

En: “Vuelta de la antigua esperanza” (1959)

 

O atiçador

(Igor Morski: ilustrador polonês)

 

O outro

 

(1º de janeiro de 1959)

 

Nós, os sobreviventes,

A quem devemos a sobrevida?

Quem morreu por mim na masmorra,

Quem recebeu a minha bala,

A que era para mim em seu coração?

Sobre qual morto eu estou vivo,

Seus ossos jazem nos meus,

Os olhos que lhe arrancaram vendo

Pelo olhar de minha cara,

E a mão que não é sua mão,

Que também já não é a minha,

Escrevendo palavras rotas

Onde ele não está, na sobrevida?

 

Em: “Retorno da velha esperança” (1959)

 

Referência:

 

RATAMAR, Roberto Fernández. El otro / O outro. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994. Em espanhol: p. 224; em português: p. 225.

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