O que constitui, em
essência, o ser poeta e em que consiste, verdadeiramente, a atividade poética? Eis
aí duas perguntas que Chacal procura clarificar por meio das infratranscritas
linhas: um poeta não se define simplesmente por escrever versos, cumprindo
algumas regras protocolares, senão por ter consciência de sua condição de criador
ao manejar as palavras, delas lançando mão com desenvoltura e responsabilidade, para assim ratificar
a sua utilidade para a sociedade.
Observando o mundo,
sentindo-o e vivendo-o intensamente, o poeta há de abraçar o seu mister como
algo vital e transcendente, mais além das convenções, perseguindo formas de
exprimir essa conjunção, esse contexto, que logrem ressoar na mente do leitor, num
linguajar que, sem ser trivial, possa ser recebido pela audiência e por ela bem
compreendido.
Em suma, Chacal
parece reivindicar uma poesia comprometida com uma visão superior da arte, apta
a superar os meros exercícios formais – mais parecidos a hobbies noturnos –, assumindo
destarte o aludido papel transformador da realidade, quer
social quer política, ao fundir vida e criação num mesmo ato inovador.
J.A.R. – H.C.
Chacal
(n. 1951)
Um poeta não se faz
com versos
O poeta se faz do
sabor
de se saber poeta
de não ter direito a
outro ofício
de se achar de real utilidade
pública
escrevendo tocando
criando
o que pesa é não se
achar louco
patético quixote
inútil
como quem fala
sozinho
como quem luta
sozinho
o que pesa é ter que
criar
não a palavra
mas a estrutura onde
ela ressoe
não o versinho lindo
mas o jeitinho dele
ser lido por você
não o panfleto
mas o jeito de
distribuir
quanto a você, meu
camarada
que à noite verseja
para de dia
cumprir seu dever
como água parada
fica aqui uma
sugestão:
– se engavete junto
com seus sonetos
porque muito sangue
vai rolar e não
fica bem você manchar
tão imaculadas
páginas.
Heitor e Andrômaca
(Giorgio de Chirico:
pintor italiano)
Referência:
DUARTE, Ricardo de
Carvalho (Chacal). Um poeta não se faz com versos. In: WEINTRAUB, Fabio
(Seleção e organização). Poesia marginal: Ana Cristina Cesar et alii.
Desenhos e imagens acidentais de Guto Lacaz. São Paulo, SP: Ática, 2007. p.
38-39. (Coleção ‘Para gostar de ler’; v. 39)
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