Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Milton A. Hatoum - Entre cemitério e última classe

De um lado, a vida como uma dinâmica viagem em última classe ou no porão de um paquete; de outro, a morte como uma quietude na imobilidade – ambas intrinsecamente entrelaçadas na existência humana. Lá, um lugar de energia e de transformação, onde se pode observar e contemplar o celestial, aventando-se hipóteses de transcendência; aqui, a inércia de um “plano jazigo”, que somente se faz presença na memória dos vivos.

 

Os versos de Hatoum pospõem-se encapelados em mecânica dualidade, entre cinemática e estática, entre um rio que flui, “girando” ao ritmo da Terra – eventualmente convertido em “tumulto” ou em “redoma de ossos falatórios”, num desmantelo capaz de arrancar o ser humano ao letargo, suprimindo-lhe as névoas dos mistérios –, e a horizontalidade e o silêncio das campas em sucessão, onde já não mais pulsam quaisquer terrenas agitações de espírito.

 

J.A.R. – H.C.

 

Milton A. Hatoum

(n. 1952)

 

Entre cemitério e última classe

 

Entre cemitério e última classe

há uma diferença motriz:

um é plano jazigo e só gira

com todos os vivos da Terra e suas tumbas.

Enquanto o porão, com seu espaço casulo, gira

no ritmo da Terra e, ainda, com a fluência da água.

Porão e túmulo jamais serão um único frasco.

O porão poderá ser tumulto

ou redoma de ossos falatórios.

Redoma, lugar hemisfério

onde se enxerga fora – longe do leme – o celeste.

Ou lugar que desfia, tecendo ao inverso,

destelhando o sono do homem

que já córrego, não mais será mistério.

 

Em: “Amazonas – palavras e imagens

de um rio entre ruínas” (1979)

 

Anoitecer no Rio Amazonas

(Juan Montes Torres: artista peruano)

 

Referência:

 

HATOUM, Milton A. Entre cemitério e última classe. In: TELLES, Tenório; KRÜGER, Marcos Frederico (Orgs.). Poesia e poetas do Amazonas. Manaus, AM: Valer Editora, 2006. p. 263.

Nenhum comentário:

Postar um comentário