De um lado, a vida
como uma dinâmica viagem em última classe ou no porão de um paquete; de outro,
a morte como uma quietude na imobilidade – ambas intrinsecamente entrelaçadas
na existência humana. Lá, um lugar de energia e de transformação, onde se pode
observar e contemplar o celestial, aventando-se hipóteses de transcendência; aqui,
a inércia de um “plano jazigo”, que somente se faz presença na memória dos vivos.
Os versos de Hatoum pospõem-se
encapelados em mecânica dualidade, entre cinemática e estática, entre um rio
que flui, “girando” ao ritmo da Terra – eventualmente convertido em “tumulto”
ou em “redoma de ossos falatórios”, num desmantelo capaz de arrancar o ser
humano ao letargo, suprimindo-lhe as névoas dos mistérios –, e a horizontalidade
e o silêncio das campas em sucessão, onde já não mais pulsam quaisquer terrenas
agitações de espírito.
J.A.R. – H.C.
Milton A. Hatoum
(n. 1952)
Entre cemitério e
última classe
Entre cemitério e
última classe
há uma diferença
motriz:
um é plano jazigo e
só gira
com todos os vivos da
Terra e suas tumbas.
Enquanto o porão, com
seu espaço casulo, gira
no ritmo da Terra e,
ainda, com a fluência da água.
Porão e túmulo jamais
serão um único frasco.
O porão poderá ser
tumulto
ou redoma de ossos
falatórios.
Redoma, lugar
hemisfério
onde se enxerga fora
– longe do leme – o celeste.
Ou lugar que desfia,
tecendo ao inverso,
destelhando o sono do
homem
que já córrego, não
mais será mistério.
Em: “Amazonas –
palavras e imagens
de um rio entre
ruínas” (1979)
Anoitecer no Rio
Amazonas
(Juan Montes Torres:
artista peruano)
Referência:
HATOUM, Milton A.
Entre cemitério e última classe. In: TELLES, Tenório; KRÜGER, Marcos Frederico
(Orgs.). Poesia e poetas do Amazonas. Manaus, AM: Valer Editora, 2006.
p. 263.
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