Afinal, neste sítio
de dualidades, entre o conhecido e o desconhecido, entre a razão e a intuição,
entre a consciência e o sono, entre a observação ativa e a passiva, até mesmo
entre o sagrado e profano, há que se suspender a aplicação de quaisquer
critérios ou normas, bem assim as expectativas que se formulem ante cifradas vastidões,
para acolhê-las com uma mente aberta e receptiva.
Mais além da
linguagem e da lógica, entre o atemporal e o ilimitado, o mistério resiste à explicação,
pois que, por definição, paira no inefável. Não que se paute pelo caótico ou
pelo aleatório, senão que se imbrica num contexto à margem do meramente
racional, a ocupar “mais lugar no tempo do que no espaço”.
Veja-se, por fim, que
boa parte do que paira em nuvens de aparente mistério sublima-se em palavras pelas mãos dos poetas, convertendo-se em poesia – em imagéticas que vão da estreme circunscrição
descritiva às sinergias do surreal, do jogo de duplos sentidos às explicitudes
mais ásperas e mordazes –, tudo para amplificar os efeitos sinestésicos do
arranjo dos versos, insculpidos em suas mais variegadas formas gráficas.
J.A.R. – H.C.
Paulo Leminski
(1944-1989)
Adminimistério
Quando o mistério
chegar,
já vai me encontrar
dormindo,
metade dando pro
sábado,
outra metade,
domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério
aumentar.
Silêncio é coisa sem
senso,
não cesso de
observar.
Mistério, algo que,
penso,
mais tempo, menos
lugar.
Quando o mistério
voltar,
meu sono esteja tão
solto,
nem haja susto no
mundo
que possa me
sustentar.
Meia-noite, livro
aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto
incerto.
Seria o branco da
folha,
luz que parece
objeto?
Quem sabe o cheiro do
preto,
que cai ali como um
resto?
Ou seria que os
insetos
descobriram
parentesco
com as letras do
alfabeto?
Em: “Distraídos
venceremos” (1987)
Borboletas sobre o livro
(Autoria
desconhecida)
Referência:
LEMINSKI, Paulo. Adminimistério.
In: __________. Toda poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras,
2013. p. 179.
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