Enfrentar as
limitações impostas pela velhice e a proximidade da morte implica a necessidade
de se impor freios às ambições desmedidas, forçando o falante a se concentrar
no essencial, restringindo as balizas de seu “firmamento”: entre a aceitação serena
da decadência física e a adaptação à nova realidade, o longevo há de se dispor,
desde logo, a amadurecer os frutos tardios, aproveitando-se da experiência
acumulada até o presente estágio da existência.
Apesar da crítica
velada aos antepassados, por não lhe haverem proporcionado todo o imprescindível
para enfrentar os desafios da vida, o ente lírico aceita o seu destino com graça
e determinação, confiando em sua voz interior, que lhe assegura um “porto” já
próximo e uma sucessão de “ondas encantadas” – como que a sugerir um sublime
final.
J.A.R. – H.C.
Ralph Waldo Emerson
(1803-1882)
It is time to be old,
To take in sail:–
The god of bounds,
Who sets to seas a shore,
Came to me in his fatal rounds,
And said: ‘No more!
No farther shoot
Thy broad ambitious branches, and thy root.
Fancy departs: no more invent;
Contract thy firmament
To compass of a tent.
There’s not enough for this and that,
Make thy option which of two;
Economize the failing river,
Not the less revere the Giver,
Leave the many and hold the few.
Timely wise accept the terms,
Soften the fall with wary foot;
A little while
Still plan and smile,
And, fault of novel germs,
Mature the unfallen fruit.
Curse, if thou wilt, thy sires,
Bad husbands of their fires,
Who, when they gave thee breath,
Failed to bequeath
The needful sinew stark as once,
The Baresark marrow to thy bones,
But left a legacy of ebbing veins,
Inconstant heat and nerveless reins,–
Amid the Muses, left thee deaf and dumb,
Amid the gladiators, halt and numb.’
As the bird trims her to the gale,
I trim myself to the storm of time,
I man the rudder, reef the sail,
Obey the voice at eve obeyed at prime:
‘Lowly faithful, banish fear,
Right onward drive unharmed;
The port, well worth the cruise, is near,
And every wave is charmed.’
A Fragilidade Humana
(Salvator Rosa:
artista italiano)
Terminus (1)
É a época em que já
se está velho
Para lançar velas:–
O deus dos limites,
Que dá aos mares uma costa,
Veio até mim em suas
rondas fatais
E me disse: “Basta!
Não sigas a disparar
Tuas amplas e ambiciosas
frondes e raízes.
Que a fantasia se retire:
susta as invenções;
Constringe teu
firmamento
Ao âmbito de tua
tenda.
Não há o suficiente
para isto e aquilo,
Escolhe uma das duas
opções;
Economiza desse rio
que já flui escasso,
Não reverencies menos
o Doador,
Renuncia a muito e retém
pouco.
Sensata e oportunamente
aceita os termos,
Suaviza a queda em
marcha acautelada;
Por um pouco mais de
tempo
Ainda, tece planos e
sorri,
E, tendo falhado os
novos germes,
Amadurece os frutos por
cair.
Amaldiçoa, se
quiseres, os teus pais,
Maus cônjuges de suas
flamas,
Os quais, quando te
deram alento,
Falharam em legar,
como outrora,
A necessária rijeza aos
tendões,
A medula de um
Baresark aos teus ossos, (2)
Mas deixaram um
legado de veias minguantes,
Calor inconstante e rins
sem nervos,–
Entre as Musas,
deixaram-te surdo e mudo,
Entre os gladiadores,
paralisado e entorpecido.”
Tal como o pássaro
que se adapta ao vendaval,
Eu me adapto à
tormenta do tempo,
Manejo o timão, arrizo
as velas,
Rendo-me à voz ao
anoitecer, desde o zênite obedecida:
“Humildemente fiel,
desterra o medo,
Segue adiante sem qualquer
infortúnio;
O porto, que bem vale
a travessia, está próximo,
E a cada onda um
deslumbre irrompe.”
Notas:
(1). Terminus:
trata-se de um deus romano, guardião das fronteiras, de início representado
como uma grande pedra quadrangular ou como um toco fincado no campo, ganhando,
posteriormente, forma humana sobre um marco piramidal, que servia como limite
para os indivíduos ou para o Estado; sem braços nem pés, não podia mudar de
lugar, em conformidade à ideia de fixidez para um limite ou fronteira.
(2). Baresark: guerreiro
indômito nórdico que lutava em estado de transe, geralmente sem armadura,
escudo ou cota de malha, lançando mão, com alguma frequência, de peles de animais,
como ursos ou lobos.
Referência:
EMERSON, Ralph Waldo.
Terminus. In: __________. The major poetry. Edited, with introduction
and commentary, by Albert J. von Frank. 1st print. Cambridge, MA: The Belknap
Press (an imprint of Harvard University Press), 2015. p. 209-210.
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