Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 12 de abril de 2025

Rabindranath Tagore - Presente

Tagore nos faz ver o quão transitórios são os presentes materiais que concedemos aos nossos pares, quer sejam joias, quer flores, quer ainda canções, deixando eles muitas vezes de capturar o real sentido de nossos sentimentos pelas pessoas a quem os outorgamos: pelo que se depreende da linha de argumentação do poema, melhores são as experiências que nos enchem de assombro e nos conectam com a beleza do mundo à nossa volta, conquanto efêmeras por igual, mas que se nos fixam em inolvidáveis memórias.

 

Sublinha-se, assim, o encanto dos momentos fugazes, perpassados pelo inesperado e pela surpresa que se dissemina pelos estágios da vida – o perfume de uma incógnita flor ou um raio de sol entre as frondes no ocaso –, reconhecendo-se a impossibilidade de capturar-lhes a essência, ou bem pelas mãos ou bem por meio de palavras.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rabindranath Tagore

(1861-1941)

 

Gift

 

O my love, what gift of mine

Shall I give you this dawn?

A morning song?

But morning does not last long –

The heat of the sun

Wilts it like a flower

And songs that tire

Are done.

 

O friend, when you come to my gate

At dusk

What is it you ask?

What shall I bring you?

A light?

A lamp from a secret corner of my silent house?

But will you want to take it with you

Down the crowded street?

Alas,

The wind will blow it out.

 

Whatever gifts are in my power to give you,

Be they flowers,

Be they gems for your neck,

How can they please you

If in time they must surely wither,

Crack,

Lose lustre?

All that my hands can place in yours

Will slip through your fingers

And fall forgotten to the dust

To turn into dust.

 

Rather,

When you have leisure,

Wander idly through my garden in spring

And let an unknown, hidden flower’s scent startle you

Into sudden wondering –

Let that displaced moment

Be my gift.

Or if, as you peer your way down a shady avenue,

Suddenly, spilled

From the thick gathered tresses of evening

A single shivering fleck of sunset-light stops you,

Turns your daydreams to gold,

Let that light be an innocent

Gift.

 

Truest treasure is fleeting;

It sparkles for a moment, then goes.

It does not tell its name; its tune

Stops us in our tracks, its dance disappears

At the toss of an anklet.

I know no way to it –

No hand, nor word can reach it.

Friend, whatever you take of it,

On your own,

Without asking, without knowing, let that

Be yours.

Anything I can give you is trifling –

Be it a flower, or a song.

 

Presente

(Ernest L. Blumenschein: pintor norte-americano)

 

Presente

 

Ó meu querido, que presente meu

Devo te dar neste alvorecer?

Uma canção matinal? Mas a manhã não dura muito –

O calor do sol

Murcha-a como uma flor,

E mesmo as mais insistentes canções

Esgotam-se por fim.

 

Ó amigo, quando te acercas do meu portão

Ao anoitecer,

O que é que hás de pedir?

O que é que eu hei de te oferecer?

Uma luz?

Uma lâmpada de um canto secreto de minha

silenciosa morada?

Mas quererás levá-la contigo

Pela rua cheia de gente?

Infelizmente,

O vento a apagará.

 

Quaisquer que sejam os presentes que eu possa

te obsequiar,

Sejam flores,

Sejam pedras preciosas para adornares o pescoço,

Como poderão te agradar

Se, com o tempo, certamente definharão,

Quebrarão,

Perderão o brilho?

Tudo o que as minhas mãos puderem colocar nas tuas,

Escapará por entre os teus dedos

E cairá esquecido no pó,

Para nele se transmutar.

 

Em vez disso,

Quando dispuseres de tempo livre,

Vagueia ociosamente na primavera pelo meu jardim

E deixa que o perfume de uma oculta e desconhecida

flor te seduza

Num assombro repentino –

Permite que esse esporádico momento

Seja o meu presente.

Ou se, enquanto perscrutas uma alameda sombreada,

Subitamente, vertido

Por entre os densos cúmulos entrançados do anoitecer,

Um único e trêmulo raio de luz crepuscular te imobilizar,

Convertendo teus mais acalentados sonhos em ouro,

Que essa luz seja um inocente

Presente.

 

Fugaz é o mais genuíno tesouro;

Brilha por um momento e logo esmaece.

Não diz o seu nome; sua melodia

Nos detém em nossas trilhas, sua dança se esvai

Ao sonoro menear de guizos nos artelhos.

Não conheço nenhum caminho para chegar até ele –

Mão alguma ou palavra são capazes de alcançá-lo.

Amigo, seja o que for que dele retenhas,

Por conta própria,

Sem que o peças, sem que o conheças, tem-no

Como uma dádiva.

Qualquer coisa que eu possa te dar é de menor valor –

Seja uma flor, seja uma canção.

 

Referência:

 

TAGORE, Rabindranath. Gift. Translated from Bengali to English by William Radice. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Eds.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 265-266.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Caro Francisco,
      Grato pelo comentário: de fato, as composições de Tagore são plenas de musicalidade, ao mesmo tempo que incursionam pelas sendas da espiritualidade e da sabedoria de vida, razão por que despertam panóplias de emoções positivas no leitor.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

      Excluir