De um lado, a
simplicidade, a natureza e o entorno rural em que labuta o pastor; de outro, a
arte, a cultura e a sofisticação do modo de vida de um pianista. E, na mente do
poeta, a fusão desses dois mundos tão distintos entre si, como se quisera fazer
entrar em harmonia o que se manifesta como humano e aquilo que se circunscreve
ao domínio da natureza.
O pastor-pianista expressa
a sua sensibilidade em profundo diálogo com essa natureza circundante, numa
imagística algo surrealista: nesse duo de ação e de contemplação, de elevação
espiritual, de harmonia com o transcendente, de conexão com o divino por meio
da criação artística, o ser humano pode encontrar a alegria e a beleza
libertadora, capazes de reconciliá-lo com os grandes mistérios de sua
existência.
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
O Pastor Pianista
Soltaram os pianos na
planície deserta
Onde as sombras dos
pássaros vêm beber.
Eu sou o pastor
pianista,
Vejo ao longe com
alegria meus pianos
Recortarem os vultos
monumentais
Contra a lua.
Acompanhado pelas
rosas migradoras
Apascento os pianos
que gritam
E transmitem o antigo
clamor do homem
Que reclamando a
contemplação
Sonha e provoca a
harmonia,
Trabalha mesmo à
força
E pelo vento nas
folhagens,
Pelo planeta, pelo
andar das mulheres,
Pelo amor e seus
contrastes,
Comunica-se com os
deuses.
Em: “As Metamorfoses”
(1938-1941)
Piano a levitar
(Jiri Janulik:
artista tcheco)
Referência:
MENDES, Murilo. O
pastor pianista. In: __________. Poesias: 1925-1955. Rio de Janeiro, RJ:
José Olympio, 1959. p. 229.
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